O Tambo de volta
Hoje eu quero ver se me emociono, lascou Fu Lana direto ao produtor. Essa frase podia ser do Jacaré, disse ele. Faz dez anos …
Hoje eu quero ver se me emociono, lascou Fu Lana direto ao produtor. Essa frase podia ser do Jacaré, disse ele. Faz dez anos que o poeta morreu e Fu Lana buscava acordar de seu transe cotidiano naquele show do Tambo do Bando em homenagem a seu letrista, Luiz Sérgio Metz, também escritor e cronista. Percebeu que muitas mães levaram seus filhos para conhecer a verdadeira música gaúcha. O teatro de 200 lugares estava lotado. Tinha gente nas escadas. Havia um gostoso cheiro de fumo de cachimbo no ar. E assim, a poesia tímida soltou-se do palco. Algumas frases ficaram registradas no bloquinho: os ingênuos são mais malditos? alarga o olhar e alonga a visão? canta tua aldeia e serás universal (Tolstoi e Jacaré).
Os velhinhos ainda estão lúcidos e concordaram todos em um dito de Texo Cabral. Das cordas dedilhadas surgiram versos vivos: a utopia foi adiada em uma nota de rodapé. A ironia cai mordaz sobre estrangeirismos em Jack de paus onde: os ranchos estão numa M. e só deixaram o Melhoral e uma perdiz contaminada pra merenda da piazada. É. A noite do Terceiro Mundo vinha batendo bombo cada vez mais fundo. Fu Lana esqueceu o hoje. Vivia pra trás. Quando uma frase emocionava. Quando a luz somava, quando uma milonga fazia chorar pelo que somos e pelo que perdemos de ser. E dá-lhe versos, sem descanso: agora chegou o inverno e as águas do mate tiritam de frio. Sobre o amor, a figura é pra lá de atual: se é doce a princípio, é amargo no fim.
Alguém reclama do cachimbo. Pena, foi apagado. E o cheirinho foi-se indo como a vida do poeta. Terra, não me deixe terra. Quero me redimir do que fiz. Um verso de mea culpa. Todo mundo deveria rezar assim. E lá no fundo, todos queríamos ser deuses. Quem sabe ainda hoje eu possa lavar o mar. Quem sabe em sete dias eu possa tudo mudar.
Que maravilha. A menina puxou o braço da mãe e perguntou: mãe, eles têm cd? Foi quando Fu Lana identificou o sentimento da noite, em um verso de Jacaré: um lugar é habitado e habitável quando dele se pode ter saudade, sempre e somente saudade.
Aquele som gaúcho, erudito e inteligente parece que não combina com a superfície atual. O grupo é capaz de misturar Beatles, Piazzola, Bethoven, Trem Caipira e Asa Branca e ainda assim ser novo. Tambo do Bando. Tomara que fiquem por mais 20 anos no palco, e a platéia sempre estará de pé. É como dizia o Jacaré: o que pinta de novo na tela do povo, somos nós de novo.