O sumiço do Adamastor
Adamastor sempre foi um apreciador das boas coisas da vida: viagens, bebidas, comidas. Marieta, sua esposa, acompanhou-o sempre. Embora ela não fosse uma entusiasta, …
Adamastor sempre foi um apreciador das boas coisas da vida: viagens, bebidas, comidas. Marieta, sua esposa, acompanhou-o sempre. Embora ela não fosse uma entusiasta, inspirava-se no seu prazer.
Não foram poucas as garrafas de borgonhas que ele trouxera no colo a cada vez que retornava de Paris. As idas à França funcionavam para recarregar baterias, atualizar conhecimentos, jantar no
Consumia horas conversando sobre a importância da harmonização entre bebida e comida. Ia da mais prosaica parceria da cerveja com salsicha bock até a importância do caráter tânico da cabernet sauvignon para qualificar a degustação de um entrecôte.
Separa a noite de sábado para fumar um Cohiba. Adamastor não é fumante, mas aquele charuto cubano não devia ser tão mau assim. A nicotina seria combatida pelo prazer das baforadas com folga.
Não é um cozinheiro, mas adora discutir receitas. Metódico, quando alguém descreve uma forma de preparo de camarões com sal e pimenta do reino pergunta qual a relação ideal entre os dois temperos. Improviso nunca foi com ele!
Seus gostos e humor refinados já lhe causaram algumas inimizades como a decorrente da sua descrição do vinho lambrusco: a involução do sal de fruta Eno. Falou antes que a anfitriã, conhecida nova rica, servisse o vinho da noite.
Em se tratando de viagens curtas, adora Buenos Aires. Na capital portenha, recentemente descobriu Las Canitas, local que, segundo ele, tem os restaurantes que o Porto Madero pensa que tem.
Embora devore tudo que diz respeito ao mundo do vinho e da enogastronomia, Adamastor, de forma nenhuma, despreza as cervejas. Gosta de experimentar, tendo sempre em mente que, ao contrário dos vinhos, cerveja boa é cerveja jovem.
Um homem de princípios o Adamastor.
Conto esta história porque nosso personagem desapareceu há cerca de um mês. Somente esta semana descobriu-se seu paradeiro. Marieta e os filhos foram chamados até um local de retiro no vale do Taquari onde se encontraram com ele, que informou que de lá não mais sairia.
A família imaginou várias hipóteses: doença terminal, outra família, débâcle financeira, entre outras possibilidades. Nada se confirmou.
Depois do almoço, que Marieta descreveu como um mingau salgado harmonizado com água sem gás, Adamastor decidiu abrir seu coração.
Acho que não contei, mas Adamastor exercia a advocacia empresarial e, no dia que sumiu, bem cedo, foi ao aeroporto para seguir para Curitiba, onde visitaria um cliente. Quando o táxi entrou na Avenida dos Estados, lá estava ela grudada num outdoor, a foto de uma cerveja com erva-mate, lançamento de uma empresa local.
Foi um choque. Imediatamente, renegociou com o motorista e foi instalar-se no retiro. Já tolerara muita coisa na vida, mas não podia continuar num ambiente onde havia bebedores de cerveja com erva-mate.
Feliz Natal e um ótimo 2008!