O silêncio que também mata
Por Fernando Puhlmann

"O silêncio é mais perigoso do que as
palavras que causam medo."
Cristóvão Lencastre
O YouTube virou uma indústria de fazer dinheiro! Pena que nem sempre para o bem.
Quem me conhece pessoalmente sabe o quanto sou apaixonado pelo YouTube e o quanto o defendo com unhas e dentes. Acredito muito na liberdade de expressão, na democracia de espaços e na necessidade de janelas para que as pessoas tenham a chance de mostrar seus talentos e pensamentos. O YouTube permite tudo isso e ainda dá a chance do creator se remunerar, só que não são só as pessoas legais que ganham dinheiro com a plataforma. Existe também o lado maléfico da produção de conteúdo, canais que faturam às custas da dor e do sofrimento de outros seres humanos e até animais.
Sim, nem todo bandido virtual está escondido na famosa "deep web", alguns estão aqui, na nossa cara, embaixo do nosso nariz, destilando ódio, machismo, racismo, transfobia, homofobia e misoginia. E é exatamente sobre esses misóginos que o meu texto vai tratar hoje.
Desculpem, eu sei que é sexta-feira, que todo mundo esperava discursos positivos e otimistas para encerrar a semana, mas enquanto fazemos planos de como aproveitar as próximas horas com nossos familiares e amigos, homens matam mulheres de forma física e virtual. Não existe final de semana, nem folga, para androcentristas covardes e mal resolvidos.
Para termos ideia do tamanho do que eu estou falando, segundo um levantamento feito pelo site Contente, em agosto de 2024, existia, nesta data, mais de mil canais na plataforma com temática "red pill" monetizados, ou seja, ganhando dinheiro de forma direta pelas visualizações nos vídeos produzidos por eles.
Nestes canais, eles "atacam" de forma violenta, mesmo que disfarçada, mulheres que consideram inimigas. Mulheres que não se curvam ao machismo, não se enquadram às normas propostas por eles ou que não os desejam.
Tido como um chamado para que homens "abram o olho", "se valorizem" ou uma resposta ao "ódio" propagado pelo movimento feminista (segundo as palavras dos idealizadores), a onda red pill na internet começou nos Estados Unidos. O movimento chegou na internet brasileira há alguns anos - e com alguns alvos favoritos: piadas e conteúdos discriminatórios contra mulheres negras, mães solo e mulheres 30+.
Seus "coaches" faturam milhões em cursos online e aproveitam da dor, tanto de homens fragilizados por perdas ou desilusões amorosas, quanto da onda de ódio dirigido às mulheres, para se firmarem como pilares de uma sociedade criada pelos mesmos, e que vive quase em um universo paralelo.
Se suas vítimas preferenciais são mulheres com mais de 30 anos, seus alvos comerciais são homens que nem chegaram ainda a esta idade. A maioria dos consumidores destes vídeos está na faixa dos 18 aos 25 anos. Porém, ninguém tem dúvidas que esses vídeos têm muitos jovens, menores de idade, entre seu público expectador, mas é praticamente impossível fazer esse levantamento, porque as redes sociais só apresentam dados acima dos dezoito anos.
Com uma estrutura de marketing e distribuição de conteúdo muito bem planejada, viraram uma máquina de fazer dinheiro, como mostra o mesmo estudo citado acima, onde um único destes mais de mil canais pode gerar cerca de U$ 5.000,00 por mês apenas com visualizações. Sem contar a venda de cursos, patrocínios e parcerias com empresas que querem chegar até tal público consumidor.
Plataformas como o YouTube e o TikTok raramente tomam medidas eficazes para tentar conter esses discursos, pois, embora nocivo, o discurso misógino impulsionado pelos red pills se camufla de "liberdade de expressão" e apela ao "direito de opinião", dificultando a sua regulamentação.
Sendo assim, enquanto eles faturam, transformam a cabeça (e o corpo) de milhares de jovens no mundo todo em máquinas de matar e moer mulheres, a maioria da população assiste a tudo muda. A nós, que conseguimos perceber este perigo, cabe o dever de lutar contra essa verdadeira praga digital e tentar diminuir seu crescimento.
Não adianta só "ser contra", tu precisas agir e essa ação é no dia a dia, nos teus grupos de WhatsApp, no "para de falar bobagem" quando chega a piadinha misógina, na defesa de uma sociedade mais igualitária entre gêneros, na forma com que tu tratas a tua companheira, filha, sobrinha, mãe, em frente a outros homens, principalmente meninos, e na forma com que tu reages ao "não" de uma mulher em qualquer situação.
Se não fizermos isso, um dia a vítima dos red pills pode estar dentro da nossa casa, seja ela uma mulher ou um menino. E aí, será tarde para te dares conta que o teu silêncio também mata.