O que se pode dizer hoje

Por José Antonio Vieira da Cunha

Fomos 123 milhões de brasileiros em ação neste 2 de outubro. O que se pode dizer do resultado deste mutirão? Que aumentou a musculatura da democracia no Brasil? Que as urnas eletrônicas, mais uma vez, se mostram eficazes e confiáveis? Que Lula perdeu, por não ter emplacado no primeiro turno? Que Bolsonaro perdeu, por não ter obtido seus 70 milhões de votos apregoados exaustivamente? 

Quanto perderam os institutos de pesquisa? Erraram porque distorceram para um viés ou porque havia mesmo um eleitorado envergonhado de sua opção? De outro lado, com o banho de informação e tecnologia que apresentou na noite de domingo, a Globo recuperou um pouco de seu antigo prestígio? Quantas teorias da conspiração foram derrubadas com o desfecho da eleição? Quantas ainda resistirão, formando uma outra realidade seguida cegamente por grupos que se moldam tal qual uma seita?

Os lulistas tiveram pouco a comemorar, depois de festejarem a vitória antecipada no primeiro turno? Ou são os bolsonaristas que lamentam não terem eleito figuras icônicas como o ex-presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, a advogada Cristina Bolsonaro, a médica Nise Yamagushi, o ex-assessor Fabrício Queiroz, o major Vitor Hugo, a apresentadora Antônia Fontenelle, o deputado estadual Douglas Garcia, aquele celerado que avançou contra a jornalista Vera? E quem comemora as vitórias dos lavajatistas Sérgio Moro ao Senado e Deltan Dellagnol à Câmara como o mais votado pelo Paraná? E pode mesmo dormir em paz o ministro Alexandre de Moraes, para quem a "era de ataques à Justiça Eleitoral já é ado"?

Vai ter e livre no segundo turno, ou novo recurso judicial será apresentado contra esta forma de transporte gratuito que favorece uma camada do eleitorado? Aliás, o que vimos foi uma disputa entre os mais pobres, que optaram por Lula, e os mais ricos, que foram de Bolsonaro? Seria essa uma nova e trágica divisão social? 

Seja Bolsonaro ou Lula, que país teremos em primeiro de novembro? O que significará um único partido, o PL, ter eleito uma centena de deputados fielmente bolsonaristas? E vale seguir com nosso antigo sistema eleitoral, em que nem sempre alguns dos mais votados asseguram uma cadeira no Parlamento? 

Estamos no rumo do bipartidarismo, com um de direita se contrapondo a outro de esquerda? Lula, eleito, como conviverá com o Congresso francamente bolsonarista? Bolsonaro, eleito, fará o que quiser com o impulso deste mesmo Congresso? Consolidada, a polarização vai aumentar ou reduzir o confronto que em alguns casos chegou às vias de fato?

Um mês delicado, cheio de tensões, é o que teremos pela frente, e esta é uma certeza. Mas veja, o que se pode dizer hoje é que, num ambiente dominado pela desinformação, é no jornalismo profissional que seguiremos tendo a informação correta que assegura a predominância da democracia de verdade. A informação sem desvio ideológico, capaz de retratar como um espelho o que se a na sociedade, esta precisa merecer nossa atenção e crédito. Sem ela, mentiras, ameaças e boatos vicejam e assustam parte do eleitorado, que por medo até deixa de votar.

Acredite, é a informação de qualidade que nos protege contra golpismos e populismos. É o jornalismo profissional que contribui, juntamente com outras estruturas da sociedade, para que esta seja sólida e harmônica. É como ensinou Thomas Jefferson: ele, o verdadeiro jornalismo, é o cão de guarda da sociedade. Cuidemos dele, portanto.

Autor
José Antonio Vieira da Cunha atuou e dirigiu os principais veículos de Comunicação do Estado, da extinta Folha da Manhã à Coletiva Comunicação e à agência Moove. Entre eles estão a RBS TV, o Coojornal e sua Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, da qual foi um dos fundadores e seu primeiro presidente, o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, a Revista Amanhã e o Correio do Povo, onde foi editor e secretário de Redação. Ainda tem duas agens importantes na área pública: foi secretário de Comunicação do governo do Estado (1987 a 1989) e presidente da TVE (1995 a 1999). Casado há 50 anos com Eliete Vieira da Cunha, é pai de Rodrigo e Bruno e tem cinco netos. E-mail para contato: [email protected]

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