O que é um jornalista?

Em comentário à crônica da semana ada ("O dia escamoteado"), o jornalista Antônio Goulart, nome destacado na minha lista de afetos e irações, menciona …

Em comentário à crônica da semana ada ("O dia escamoteado"), o jornalista Antônio Goulart, nome destacado na minha lista de afetos e irações, menciona "os 20 exemplares salvos graças à atitude corajosa da funcionária responsável pelo Arquivo de Jornais, Francisca Espinosa". Agradeço ao Goulart a oportunidade de voltar ao assunto. Também, de revelar ter sido eu o autor da sugestão ao Grande Oriente do Estado, a pedido do jornalista Telmo Flor, de conferir a ela a Medalha Caldas Junior.


Na ocasião, houve resmungos de inconformados com a homenagem. O argumento mais forte - o de que a Chica, como todos a chamamos - não era jornalista, não resiste a uma análise menos descuidada.


Do ponto de vista legal, ainda que Chica não tenha requerido formalmente, o título lhe foi conferido por legislação, ao tempo de Jânio Quadros, que mandou registrar "ex-ofício", profissionais com exercício comprovado por anotação na carteira do Ministério do Trabalho. Ela ingressou no Correio do Povo alguns anos antes e a regulamentação de 1968 não retroagiu a direitos adquiridos, como qualquer legislação.


Do ponto de vista ético e espiritual, acho que vale trazer de volta uma indagação: o que é um jornalista?


Não é uma "sedizência" - eu sou jornalista - não é uma decisão judicial - ordeno que seja reconhecido jornalista - ou um diploma - vos graduo jornalista.


Ressalto a importância vital dos cursos universitários de comunicação social. Como dizia Pullitzer, a única profissão para a qual não se necessita de formação é a de imbecil - já nasce idiota da cabeça aos pés, diplomado e titulado com grau de PhD.


A interrogação, do ponto de vista ético e espiritual, paira sobre todas essas considerações: afinal, o que é um jornalista?


É um animal político - obrigado, Mr. Aristóteles - com discernimento para identificar na ganga bruta dos acontecimentos os fatos que são notícia e fazem história.


Haverá alguém que se encaixe mais dentro do conceito do que a Chica, surgindo do nada, arriscando ser presa e surrupiando 20 exemplares, para preservar a história do Rio Grande do Sul no dia 20 de setembro de 1972?


A cena nunca me saiu da lembrança. Quando mergulho em minhas recordações, sempre diviso a figura da Chica, de cara magra, barriga e traseiro engordados pela edição histórica, mergulhando na noite e enfrentando a imensidão do horizonte que era menos do que a repressão policial da época.


Se isso não faz dela uma jornalista, então confesso minha absoluta incapacidade para responder à pergunta - o que é um jornalista?


Fale quem tiver melhor resposta.

Autor

Jayme Copstein é jornalista, com atividade em jornal e rádio desde 1943,com agens pelos principais veículos de Porto Alegre. Trabalhou 22 anos no Grupo RBS como apresentador de programas e comentarista de opinião da Rádio Gaúcha, e atualmente é colunista do jornal O Sul e apresentador do programa 'Paredão', na Rádio Pampa. Detentor de vários prêmios, entre eles, Medalha de Prata (2º lugar) no Festival Internacional do Rádio de Nova York (1995), em 1997 publicou "Notas Curiosas da Espécie Humana" (AGE). Seu livro mais recente é "A Ópera dos vivos", editado em janeiro de 2008.

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