O que é que há, velhinho?

A revista Trip número 171 traz sete matérias especiais sobre o tema longevidade. Elas ocupam 44 páginas, e os entrevistados e temas são todos …

A revista Trip número 171 traz sete matérias especiais sobre o tema longevidade. Elas ocupam 44 páginas, e os entrevistados e temas são todos maiores de 65 anos. Exceção feita a Ronaldo, o chamado Fenômeno, que teve um belo bate-papo com Daniel Piza, com direito a dizer que fez "merda" no episódio com os travestis.


O cardápio oferecido sobre a velhice, desta vez, foge daquele ranço de enfoque de consultório geriátrico, que me irrita profundamente, abordando o trio exercício-alimentação-carinho, que é só o que médico e jornalista e terapeuta, claro, sabem indicar para quem se encaminha para o fim, e também não deita aquele olhar meloso sobre o "idoso", este coitadinho, a quem tudo se perdoa porque, afinal, está quase morrendo mesmo.


A última página da Trip, inclusive, exibe um artigo de Ricardo Guimarães, que é das melhores coisas já escritas não só sobre envelhecer, mas sobre a confusão em que vive o mundo desde que amos a viver mais. "O que é ter 60 em 2008?", pergunta o presidente da Thymus Branding. Vale a pena ler, reler, imprimir e guardar. Até os que ainda nem cruzaram os 30, que é para já ir tendo contato com o inevitável (a menos que morram antes, óbvio) e tenham um parâmetro sobre lucidez e clareza de se mostrar honesto diante do que todos nós, maiores de 50, sentimos: estar meio perdido.


Por exemplo: a mesma Trip traz um ensaio fotográfico e uma entrevista com Vera Barreto Leite, 72 anos, que foi modelo de Chanel e não teve o menor constrangimento em exibir a murchura de seu corpo em várias páginas da revista. Na edição online, há um vídeo com o making of da sessão de fotos, que contradiz, pelo tom de voz e pela tristeza evidente da entrevistada, o texto meio otimista demais de Kátia Lessa.


Ouço, sempre, que nós, ocidentais, temos dificuldade de entender a velhice, que os japoneses, por exemplo, veneram seus idosos, etc e tal. Não sei se é ou não é. Sei apenas que estou mergulhada nesta realidade, de uns tempos para cá, sem muito tempo para pensar nas filosofias que envolvem a decadência física e mental que não tem creme, remedinho ou spa que resolvam. Meus pais têm 80 anos e não é fácil vê-los velhos.


Minha geração toda está aí, enrugada, uns mais gordos, outros mais magros, uns com cabelos mais brancos que outros, a maioria das mulheres tingindo os fios. Mas todos nós que cruzamos o portão dos 50 e que usamos espelho sabemos que não é bom nem bonito nem romântico envelhecer. Um mínimo de dignidade e de senso de boa vontade é necessário. Já ter bom humor sempre é exigir demais.


Mas dá para ir segurando algumas coisas, como a tendência para o over, para criticar demais os mais novos, para enfiar o dedo na cara de filhos ou netos e dizer "eu avisei" ou, pior "no meu tempo, era diferente". Jogue a primeira pílula contra reumatismo quem nunca fez isso. Tem, também, a vertente do velhinho paranóico, aquele que fala com o interlocutor no celular dizendo "não posso falar agora, vai para o restaurante, me espera lá que te dou sinal na hora de entrar" e, na hora da saída, pega a comanda e sai correndo, para o caixa, "para não dar na vista" que está acompanhado. Mesmo que seja tão somente uma reunião profissional.


E ainda tem a outra faceta deste diamante que se chama idade e que é a daqueles que chegam aos 60 fazendo charme para as garotinhas e garotinhos, certos de que de Elba Ramalho, Marília Gabriela e Woody Allen todo mundo tem um pouco. Aí, é ruim mesmo.


A mídia, por sua vez, escorrega ao tratar do assunto: ou idolatra ou choraminga os velhinhos. O velho ou é exemplo ou é motivo de piedade. Por isso, gostei desta Trip e a recomendo. Em especial, uma frase do artigo de Ricardo: "Porém, mais triste que negar o tempo é se conformar ou elogiar a velhice".

Autor

Jornalista formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Maristela Bairros já atuou como redatora, repórter, editora e crítica de teatro nos principais diários de Porto Alegre, colaboradora de revistas do Centro do País e foi produtora e apresentadora nas rádios Gaúcha, Guaíba AM, Guaíba FM e Rádio da Universidade, assessora de imprensa da Secretaria de Estado da Cultura e da Fundação Cultural Piratini. É autora de dois livros: Paris para Quem Não Fala Francês e Chutando o Balde, o Livro dos Desaforos, ambos editados pela Artes & Ofícios.

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