O mico
O mico é a cascavel que dorme entre as lenhas da lareira, você está vivendo a mais prosaica das situações e de repente ela …
O mico é a cascavel que dorme entre as lenhas da lareira, você está vivendo a mais prosaica das situações e de repente ela dá o bote.
Micos são classificados desde os de alto poder de destruição até os mais simples, risíveis ou constrangedores. Se a vítima tem presença de espírito, ri de si mesma; caso contrário, vai se odiar por algum tempo: "Cretino, retardado, tu tens que te ralar mesmo". Em geral, o mico assalta quando mais precisamos fazer uma boa imagem. George W. Bush foi seu representante maior, seguido pela Xuxa e depois, talvez, por mim.
Se fosse o gordo Ronaldo Fenômeno com meia dúzia de gols geniais, eu teria apagado as sequelas dos grandes micos da minha vida.
O mico traumatizante
Com 14 anos e lutando contra uma timidez doentia, fiquei hospedado num hotelzinho de quinta categoria no interior. Eu não sabia que o lugar era um antro de caixeiros viajantes curtidos de malandragem, contraventores, escroques e que, nesta noite, abrigava um elenco de atores decadentes, feios e perversos. Até hoje não sei de onde aquela companhia teatral saiu, nem para onde ia. Tarde da noite tive uma crise de insônia e desci para o lobby da espelunca, onde todo aquele gentio estava reunido, acomodado em cadeiras de vime. O uísque corria solto, todos já estavam nas bordas da bebedeira e logo entendi o porquê das gargalhadas histriônicas que se ouvia do meu quarto: era uma roda de piadas. Fiquei em pé por ali, ainda não sabia fumar, mas pedi um cigarro para me sentir mais adulto. Na primeira tragada quase fui para o chão. Um cara me ofereceu um gole de uísque e eu emborquei só para me arrepender e, então, a tragédia.
Súbito caiu um silêncio e, por um impulso misterioso, eu disse claramente: "Posso contar uma anedota?". Trinta pares de olhos me observaram entre o espanto e a desconfiança e o silêncio se tornou pétreo. Tentei sorrir e rapidamente julguei que eu e a piada que tinha em mente éramos inadequados, desinseridos, frágeis, insossos, infantis até. A conhecida taquicardia parecia saltar pelos meus ouvidos. Diante da estupefação asfixiante de todos, me socorreu uma idéia redentora: "Mas primeiro vou ao banheiro, na volta eu conto" - falei com um fio de voz. Com muito esforço percorri os dez quilômetros que me separavam da porta do banheiro ouvindo os meus os, (evitando cair num abismo que surgiu na minha frente) e com os olhares me atingindo a nuca, como se fossem esgaravatanas embebidas
O mico suicida
Quando disse que estava se lixando para a opinião pública, o nosso representante gaúcho praticou o mico suicida. Além de se enlamear em praça pública, manchou o que nos restava para ser manchado nesses tempos de governança estadual que não é de direita, nem esquerda, nem de centro, é só de cima para baixo. O "excelentíssimo" carimbou seu aporte para a História das Grandes Burrices do Século. E ao tentar corroborar suas declarações ateou fogo nos seus cabelos e, depois, tentou apagar com um martelo.
O mico surrealista
Um dos mais eloquentes micos que já presencie foi durante a gravação de proporcionais para um vídeo de campanha política. Quem me conhece sabe que sou um ardoroso inimigo do nepotismo, mas como quem dirigia a cena era o Guga, o meu irmão, abri uma exceção apostólica. O candidato a vereador, ao declarar que estava ali para defender os interesses do povo, despejou tanto ênfase na palavra "povo" que seu pivô frontal saltou da boca. Num gesto felino ele tentou caçá-lo no ar e, óbvio, errou o bote e derrubou o teleprompter, uma tela por onde a o texto que eles falam.
O dente sumiu. Mesmo após um esquadrinhamento obsessivo feito por toda a equipe de produção a prótese não foi encontrada. A gravação foi encerrada e o candidato saiu dizendo que "ia superar mais este desafio".
"Eu sou um forte" - arrematou, sempre emitindo uma grande quantidade de ar sibilante através da falha do dente ao dizer as palavras desafio e forte.