O homem que amava as garotas do tempo

Por Flávio Dutra

Dos meus tipos inesquecíveis, um dos mais interessantes é o apaixonado pelas garotas do tempo das TVs. Nos conhecemos na  juventude, nos primórdios da tv em cores, início dos anos 1970. Creio que foi o colorido da telinha, realçando as qualidades estéticas e o figurino mais caprichado das moças a ganhar espaço nas programações, que mexeram com a sensibilidade do amigo. Antes, é importante que se diga que se trata de um tipo comum, sem características físicas ou intelectuais que o distinguem, a não ser a obsessão pelas garotas da TV. 

As primeiras paixões, ele fazia questão de destacar em cada encontro com os amigos eram direcionadas às âncoras e às jovens repórteres de então, entre eles a saudosa Glória Maria, que já estava na lida, sim. Chegava a dar longos suspiros quando falava sobre elas e certa vez confessou que ficava muito excitado só de ouvir a voz da Íris Lettieri, dos aeroportos, a voz mais bela, quando ela era apresentadora do telejornal da extinta Rede Tupi. Fechava os olhos e ficava sonhando intensas intimidades com a moça. Diferente de nós, à época fãs confessos das jovens atrizes das novelas, como a Namoradinha do Brasil, Regina Duarte ou das exuberantes e maduronas estrelas do cinema italiano, Sofia Loren à frente, ou das belas americanas como Jane Fonda na fase pré-ativista, ele priorizava o naipe feminino pelo viés do Jornalismo e não do Entretenimento. 

Até que descobriu os encantos das moças do tempo, com seus gestos medidos em direção aos mapas, donas do sol, dos ventos, das tempestades e dos raios. Sou capaz de lembrar o dia em que interrompeu uma acalorada discussão sobre o desempenho dos volantes da dupla Grenal, à época chamados de centromédios, para exclamar:

- "Vocês não sabem da última? O 'Jornal Nacional' vai ter uma mulher apresentando as condições do tempo. Imagina, uma mulher de corpo inteiro, junto com o Chapelin e o Cid Moreira." 

Era o ano de 1991 e ele falava da Sandra Annenberg, chamada para ser a garota do tempo de São Paulo e que logo assumiu a mesma função no 'JN', sendo a primeira mulher a ter um quadro fixo no principal jornal do país (a pioneira dividiu até pouco tempo atrás a ancoragem do 'Globo Repórter', com outra precursora, justamente Glória Maria). 

- "A função exige renovação, por isso elas são conhecidas como 'garotas do tempo'", - justifica o amigo para a aparente perda de status na telinha da sua ex-idolatrada Sandra Annemberg. 

Ele já acompanhava as garotas do tempo em todas as emissoras, fazia comparações entre uma e outra, ensaiava dicas que jamais chegariam a elas de como poderiam melhorar e era implacável quando flagrava algum equívoco de suas amadas:

- "Bah, a fulana previu chuva no Amapá e hoje foi sol a pino lá. Assim vai derrubar a credibilidade do segmento feminino meteorológico."

O tal segmento feminino meteorológico foi uma expressão que ou a adotar em todas as suas intervenções, certamente para dar status às garotas do tempo, termo, aliás, que já evitava usar porque entendia que minimizava a relevante função delas.

Com o tempo, aqui com o sentido de duração dos fatos, o adorador das garotas do tempo, tempo aqui como sinônimo de clima, tornou-se um expert nas condições do tempo, aqui com o sentido de situações meteorológicas, acumulando vastos conhecimentos sobre essa área. E ou a discorrer com naturalidade sobre frentes frias, zona de convergência intertropical, vórtice ciclônico de alto nível e outros quetais ,que só estavam ao alcance dos verdadeiros meteorologistas. Chegava a ser consultado pelos parceiros quando estavam interessados na previsão do tempo para determinada viagem ou evento ao ar livre, tanto assim que acabou ganhando o apelido de "Cléo Kuhnzinho". 

Só que a especialização e a demanda por consultas cada vez mais frequentes parecem ter subido à cabeça do previsor do tempo amoroso, que já não exaltava mais suas musas televisivas, 

- "A verdade é que sei mais do que elas, que se limitam a ler o teleprompter, redigido por um especialista."

Mais ainda, ou a implicar com o tipo físico ( "um bando de magrelas") e o figurino das moças ("parecem roupinhas compradas em brechós") e a perda de espaço para garotos do tempo:

- "Era só o que faltava: deixaram o empoderamento masculino se impor na previsão do tempo! Larguei o produto nacional. Agora estou me dedicando à garota do tempo da Televisa."

Para quem, como nós, seus companheiros de mesa, desconheciam a nova paixão do meteorologista fake, ele se apressou a traçar o perfil da mexicana, com o mesmo entusiasmo, quase êxtase, de quando anunciou, anos atrás, o surgimento das precursoras garotas do tempo na TV nacional.

- "Não falei pra vocês? O manancial agora está no exterior. Tem garotas do tempo que aparecem em trajes sumários ou mesmo desnudas, como a minha nova ídola, Yanet Garcia, da rede mexicana Monterrey Televisión, sempre com vestidos justos e curtos, que salientam seu calipígio. E que calipígio!"

Por via das dúvidas e para cotejar com a representação tupiniquim, fui conferir a beldade do tempo asteca e realmente ela eleva a temperatura da audiência cada vez que aparece. O problema é que a moça pode estar anunciando a possibilidade de mais um terremoto no México que o pessoal presta mais atenção na forma da apresentadora do que no conteúdo meteorológico dela.

- "Aqui o que temos é o Cléo Kuhn com aquela voz de taquara rachada ou o magrelo do tempo da RBS TV. Não dá pra competir". - exalta-se o neo apreciador de moças do tempo estrangeiras.

Depois dessa, na mesa ao lado de nacionalistas de raiz, concluímos que estava na hora de voltar a falar em futebol e do excesso de volantes nos nossos clubes.

Autor
Flávio Dutra, porto-alegrense desde 1950, é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com especialização em Jornalismo Empresarial e Comunicação Digital. Em mais de 40 anos de carreira, atuou nos principais jornais e veículos eletrônicos do Rio Grande do Sul e em campanhas políticas. Coordenou coberturas jornalísticas nacionais e internacionais, especialmente na área esportiva, da qual participou por mais de 25 anos. Presidiu a Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura), foi secretário de Comunicação do Governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre, superintendente de Comunicação e Cultura da Assembleia Legislativa do RS e assessor no Senado. Autor dos livros 'Crônicas da Mesa ao Lado', 'A Maldição de Eros e outras histórias', 'Quando eu Fiz 69' e 'Agora Já Posso Revelar', integrou a coletânea 'DezMiolados' e 'Todos Por Um' e foi coautor com Indaiá Dillenburg de 'Dueto - a dois é sempre melhor', de 'Confraria 1523 - uma história de parceria e bom humor' e de 'G.E.Tupi - sonhos de guri e outras histórias de Petrópolis'. E-mail para contato: [email protected]

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