O Homem Cinzento
Por José Antônio Moraes de Oliveira


"O mundo que enxergamos hoje é diferente do que era ontem".
Paul Valéry.
Na primeira vez que o vi, parecia uma pessoa comum, sem nada de especial. Mas depois, percebi que havia nele algo especial e muito diferente. Aconteceu em uma cafeteria em uma cidade onde eu nunca havia estado antes. O tal homem usava um terno cor-de-cinza, tinha o cabelo engomado e uma gravata borboleta do tipo que não se usa mais, também cor-de-cinza. Sem saber porquê, o apelidei de O Homem Cinzento.
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No dia seguinte, estou de volta para um café rápido e vejo que o homem continua na mesma mesa, usando as mesmas roupas e repetindo os mesmos gestos de antes. Vou tomar café no balcão e sinto que ele veio sentar na banqueta ao meu lado. Diz bom dia com uma voz anasalada, que eu já ouvira antes, de um conhecido, mas não sei de quem. Um minuto depois, ele termina seu café, ajeita a ridícula gravata borboleta e some de vista.
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Fiquei pensando se estava sonhando acordado ou delirando e deixei o café esfriar. Aquilo devia ser um dos truques que a memória nos prega de vez em quando. No entanto, eu tinha certeza que o homenzinho era mais do que real - na mesa que ele ocupara ainda estava a xícara, o copo e uma garrafa de água mineral pela metade.
Pergunto o rapaz do balcão se ele conhece a pessoa que estivera ao meu lado no balcão. Ele faz uma cara de desentendido e um gesto vago de quem não tem idéia do que eu estava falando.
E continua ando o pano no balcão que já estava limpo.
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Não me dei por satisfeito e para provar a mim mesmo que aquilo era real, fui até a mesa onde sentara meu personagem encantado e tiro uma foto da louça que ainda não havia sido retirada.
Volto para minha rotina, e por um tempo esqueço daquilo tudo. Foi só no dia seguinte, quando fui checar recados no celular, que ei o arquivo de fotos. Olhei uma, duas e três vezes a foto que tirei da mesa e da louça usada.
E quem continuava lá com sua gravata borboleta cor-de-cinza? Ele mesmo, o misterioso Homem Cinzento.
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Naquela noite - como se dizia antigamente - dei dando tratos à bola - tentando entender o que acontecera. Quando me volta à lembrança uma outra armadilha da memória, de quando um personagem do ado volta sem aviso.
Ele se chamava Eurico e vivia bulindo com as meninas de família da nossa rua. Aconteceu que um dia minha irmã chega em casa, reclamando que um menino dentuço havia dito umas gracinhas para ela e para a bela prima Yvonne. O menino dentuço só podia ser o Eurico, que morava na quadra de baixo da Ramiro Barcellos. Naquele dia, me enchi de coragem e fui direto tomar satisfações do atrevido. Cheguei sem dizer nada e lhe apliquei um murro na cara. Ele caiu, mas logo se levantou e correu rua abaixo.
Voltei para casa me sentindo um verdadeiro heroi, mas minha alegria durou pouco quando me disseram que eu havia batido no guri errado, pois o dentuço das gracinhas era um rapaz de cabelo crespo que raramente aparecia por aqui, pois morava longe, em Santana. Fui procurar o Eurico para pedir desculpas, mas não o vi mais. O que ficou por muito tempo foram meus dedos da mão direita, machucados pelo soco que dei. O Eurico era mesmo um guri dentuço.
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