O faquir
De repente, talvez induzido pela greve de fome do ex-governador Anthony Garotinho, lembrei-me de Eli Carvalho, que há mais de 50 anos ganhava a …
De repente, talvez induzido pela greve de fome do ex-governador Anthony Garotinho, lembrei-me de Eli Carvalho, que há mais de 50 anos ganhava a vida como faquir pelo interior do Rio Grande do Sul.
Artista como Garotinho, Eli não era tão talentoso e nunca se meteu em política. Tentou carreira como cantor de rádio e como mágico de palco mambembe, até descobrir a cama de pregos, onde qualquer pessoa pode deitar-se com tranqüilidade, sem qualquer marca na pele, por mais obesa que seja.
Eli deu com os costados na cidade do Rio Grande, alugando a sala da frente de uma casa abandonada, para exibir seu espetáculo: o guru indiano Singh Khan, ou coisa que o valha, batendo o recorde mundial de faquirismo, ando 60 dias sem comer nem beber.
Sim, senhor, era todo esse tempo. Quem desejasse, não precisava licença. A qualquer hora do dia ou da noite, podia entrar no sacro tugúrio do faquir, para fiscalizar a grande façanha.
O que não recomendava muito a seriedade do espetáculo era a equipe de "assessores" que o Eli montara com a verba disponível, ou seja, nenhuma. Era o Berenda, cara avelhantada, que todos diziam ainda estar vivo porque conservado em álcool, o Cremor, apresentado como empresário, mas conhecido de todos como Camelô, especializado no óleo do peixe elétrico, que ele próprio fabricava com amoníaco, mais o Fincão, um gênio em fazer cinco dados somarem qualquer resultado que ele quisesse.
Inaugurada a grande prova com estardalhaço, às 10 da manhã, o dia transcorreu promissor, com um desfilar constante de curiosos, a cinco cruzeiros por cabeça. Às 10 da noite, porque o faquir também precisava descansar, as portas foram fechadas. Ele só tinha prometido não comer nem beber. Dormir, podia.
No meio da madrugada, bate alguém à porta. Quando o Cremor atendeu, ficou chapado como se tivesse tomado uma dose do óleo de peixe elétrico. A muito custo, conseguiu gaguejar:
- O fa-fa-quir tá tá-tá do-do dormindo?
Era um médico. Sabia que ninguém pode ficar tanto tempo sem comer e beber e fora conferir. Depois de insistir algumas vezes, foi embora dizendo que ia chamar a Polícia.
Foi uma correria desabalada. A féria tinha sido boa, Eli e seus assessores tinham decidido comemorar o sucesso, mandando vir da Gruta Bahiana, o melhor restaurante da cidade, uma lauta janta, regada a vinhos importados. Quem podia adivinhar que o "doutor" ia cismar com a cara do faquir?
Só restava sumir. Aí o problema: como o Eli tinha se levantado da cama de pregos para jantar, o Berenda, bêbado a não mais poder, instalara-se confortavelmente nela. Por mais que o sacudissem, não conseguiram acordá-lo. Quando a Polícia chegou, dali a uns 10 minutos, ele era o único que não tinha fugido, por óbvias razões.
O inspetor virou-se para o médico e explicou:
- Doutor, o Berenda não dá pra prender. Se a gente encanasse ele, cada vez que ele tomasse porre, tinha que condená-lo à prisão perpétua.