O esvaziamento do Jornalismo

Por Flávio Dutra

Já registrei aqui e nas redes sociais o caso da moldura com fotos de formatura que foi jogada no lixo.  A maioria dos que interagiram apostou que o ato teria sido de um advogado frustrado com a profissão. De fato, a formatura era do curso de Direito. Mas sobrou também para o Jornalismo, que anda em baixa na avaliação do distinto público e mais ainda dos aspirantes a jornalistas. Tanto assim que recente pesquisa da plataforma ZipRecruiter, especializada em recrutamento, contratação e publicação de vagas, revela que o Jornalismo lidera com 87% a taxa de arrependimento entre os cursos superiores que não valem mais a pena começar*.

A alta taxa estaria relacionada à instabilidade da profissão, à evolução do jornalismo digital e à remuneração insatisfatória. No caso do Brasil, acrescento o fim da obrigatoriedade do diploma para o exercício profissional, que infestou os veículos de picaretas, a disputar espaço e ganhos salariais com os diplomados, precarizando ainda mais a atividade jornalística.

No RS, os efeitos desse arrependimento são sentidos nos cursos de Jornalismo, com classes reduzidas nas 23 faculdades espalhadas por 15 cidades, e isso é outra distorção. Vinte e três cursos em 15 cidades! Não há mercado para a quantidade de jornalistas despejados pelos cursos todos os anos, mesmo que estejam minguando os formandos a cada ciclo. Em Porto Alegre, a Faculdade Metodista (IPA) e a ESPM tomaram decisões extremas e já anunciaram a descontinuidade de seus cursos de Jornalismo. Nos outros estabelecimentos, principalmente nas grandes universidades privadas, a orientação das reitorias é para que aqueles alunos ainda sobreviventes nas aulas sejam cortejados e eventuais faltas e falhas tratadas com condescendência. É preciso manter a clientela. Foi a queixa que ouvi de experientes professores, que também estão frustrados com os cursos.

Essa é mais uma faceta da crise do Jornalismo, que se acentua gradativamente, com a perda de consumidores e de novos profissionais.  A questão mereceria simpósios e mais simpósios, não apenas para avaliar suas causas, mas sobretudo para indicar caminhos futuros para a profissão que se funda na vocação e exige dedicação como poucas. Deixo para os especialistas  aprofundarem a análise, mas acredito que as mudanças ou a retomada do melhor Jornalismo ou, ainda, a contenção do esvaziamento da atividade, devem começar pela formação dos futuros jornalistas e aí o papel da academia é fundamental.

Com isso, espero que não se torne realidade uma brincadeira feita nas redações em tempos idos. Quando alguém era apresentado como Jornalista, reagia com fingida veemência.

- Jornalista é você!

*Vale registar os outros cursos no ranking dos arrependidos: Sociologia e Artes, 72% de taxa de arrependimento; Comunicações (RP e Publicidade), 64%; Educação, 61%; Marketing, 60%;  Assistência Médica, 58%; Ciências Políticas, 56%; Letras e Biologia. 52%.  

Autor
Flávio Dutra, porto-alegrense desde 1950, é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com especialização em Jornalismo Empresarial e Comunicação Digital. Em mais de 40 anos de carreira, atuou nos principais jornais e veículos eletrônicos do Rio Grande do Sul e em campanhas políticas. Coordenou coberturas jornalísticas nacionais e internacionais, especialmente na área esportiva, da qual participou por mais de 25 anos. Presidiu a Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura), foi secretário de Comunicação do Governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre, superintendente de Comunicação e Cultura da Assembleia Legislativa do RS e assessor no Senado. Autor dos livros 'Crônicas da Mesa ao Lado', 'A Maldição de Eros e outras histórias', 'Quando eu Fiz 69' e 'Agora Já Posso Revelar', integrou a coletânea 'DezMiolados' e 'Todos Por Um' e foi coautor com Indaiá Dillenburg de 'Dueto - a dois é sempre melhor', de 'Confraria 1523 - uma história de parceria e bom humor' e de 'G.E.Tupi - sonhos de guri e outras histórias de Petrópolis'. E-mail para contato: [email protected]

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