O encontro definitivo
O Antonio"s, no Leblon, portas abertas em fevereiro de 1969 e fechadas há menos de 10 anos, foi o clube da inteligência carioca (e …
O Antonio"s, no Leblon, portas abertas em fevereiro de 1969 e fechadas há menos de 10 anos, foi o clube da inteligência carioca (e porto de visitantes ilustres) por cerca de duas décadas.
Lá fiz muitas amizades e convivi com muita gente que já conhecia, inclusive gaúchos como Bárbara Oppenheimer, Fausto Wolff, Glauco Rodrigues, João Saldanha, Luiz Carlos Maciel, Luiz Macedo (um dos M da MPM), Marcus Vinicius Pratini de Morais, Paulo César Peréio, Paulo José e Tarso de Castro.
Lá fui apresentado a dois dos quatro mineiros inseparáveis: Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos. O depois acadêmico Otto Lara Resende eu já conhecia de outras paragens, assim como Nélida Piñon. Outra da Academia, Lygia Fagundes Telles, eu sabia por crônica, que havia mostrado para o Érico Verissimo a mesma escola em que estudamos, em São Paulo. Era muito boa a delegação da Academia Brasileira de Letras no Antonio"s e lá, mas só acidentalmente, percebia-se o brilho do grande Hélio Pellegrino, o mais destemido dos quatro mineiros na oposição à Ditadura. De lambuja, levei grandes papos com o casmurro Rubem Braga, capixaba, mas também do grupo e até sócio do Sabino. Mulheres maravilhosas, como Leila Diniz e Tônia Carrero, juntavam inteligência com beleza. Lá, o "Encontro Marcado", senão com o destino, era com o uísque e gente amiga. Foi lá, certa noite, que Otto subiu numa cadeira, fez inflamado discurso contra a Ditadura e encerrou: - "E para que ninguém tenha dúvidas quanto à minha posição, declaro que me chamo José Aparecido de Oliveira." Otto, ao pé de um, entre muitos bilhetes, comentou o meu endereço: "Que privilégio morar na Rua Guimarães Rosa!"
Foi lá que Tarso de Castro, vendo seu antigo patrão, Samuel Wainer, com Candice Bergen, levantou-se e beijou a estrela nos pés e, pouco depois, saía com ela para uma prolongada aventura. Foi lá, também, que, num domingo, almocei na mesa ao lado de Juscelino e família, jantei com Pablo Neruda e, numa noite, ganhei do Di Cavalcanti um retrato feito com caneta Bic, numa comanda, da namorada do cineasta Ruy Guerra. Lá, o poetinha Vinicius me chamava de Almeidinha, e ele, Toquinho, Chico Buarque, mais Tom Jobim, à tarde, sozinhos, davam canja para eles mesmos e, às vezes, eu era o único da canja que não tocava nada.
Quando escrevia, em 1991, o livro sobre aquele refúgio inteligente, pedi ao Paulo Mendes Campos, no próprio Antonio"s, licença para fechar o livro com uma crônica de sua autoria sobre os bares cariocas. Ele foi enfático:
- Mas claro que sim, Mario!
- Obrigado, mas esse "claro" só você mesmo poderia dizer.
Lembrando-me da fama de brigão do poeta e cronista, provoquei:
- Desculpe, Paulo, mas apanhei você num plágio.
Ele tomava um uísque no balcão e senti, de imediato, seus músculos enrijecerem. Resolvi não prolongar a provocação e disse-lhe que, num livro sob encomenda de uma empresa, ele publicara uma crônica dele mesmo, meio "recauchutada". Rimos ambos desse meu flagrante e batemos nossos copos, num brinde à vida. Uma semana depois ele se despedia dela e foi ao encontro do Hélio que, entre os quatro, mesmo tendo sido o último a nascer, foi o primeiro a se despedir. Depois do Paulo, foi-se o Otto e, agora, o Fernando.
Sinto-me meio abandonado ao perceber que o segundo Antonio"s está ficando bem maior que o primeiro.
Saúde!
* Mario de Almeida é jornalista, publicitário, dramaturgo, autor de "Antonio?s, caleidoscópio de um bar" (Ed. Record), "História do Comércio do Brasil - Iluminando a memória" (Confederação Nacional do Comércio) e co-autor, com Rafael Guimaraens, de "Trem de Volta - Teatro de Equipe" (Libretos).
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