O drama da mulher feia
Pois, então, agora o Congresso tem com o que se ocupar. O mulherio, junto com o chefe da casa, está em pé-de-guerra, mobilizado como …
Pois, então, agora o Congresso tem com o que se ocupar. O mulherio, junto com o chefe da casa, está em pé-de-guerra, mobilizado como nunca, por causa do Clodovil. Que maravilha! O nobre deputado, um dos maiores talentos para a criação no ramo da alta, média e baixa costura que já tivemos, um polemista de primeira e ferino como só ele, chamou de feia a nobre colega petista Cida Diogo em pleno plenário.
Para quem não lembra ou não deu a mínima para os antecendentes, recapitulemos: há algum tempo, um dos mais votados políticos deste país declarou, em seu programa de televisão, que as mulheres andavam trabalhando deitadas e descansando em pé e que andavam, hoje em dia, muito vulgares e outras coisas mais. Cida tomou as dores do genérico e ou a recolher s para qualquer coisa tipo protesto contra as ignominiosas ofensas à categoria feminil. Esta semana, Clô deu o troco: disse que ofensa era só para as bonitas que queriam se prostituir e que Cida nem se preocue, portanto, porque era feia para isso. Seguiram-se cenas de choro e ranger de dentes, a deputada atendida em emergência, fotos de solidária atenção em plenário, com destaque para as gaúchas Maria do Rosário e Luciana Genro atendendo a ofendida. Agora, está no ar alguma medida punitiva para o atrevido baixinho que, nem sob esta ameaça, baixa o topete e argumenta que não houve nada demais no que disse.
Noves fora a grosseria de Clodovil, evidente, o que mais choca no episódio é, primeiro, a falta de noção de prioridade das nossas representantes na chamada Casa do Povo brasileira. Estamos gastando nosso rico dinheirinho para pagar os salários de gente que perde tempo correndo atrás de s contra alguém que, de modo correto ou não, disse o óbvio: as mulheres (genérico aqui) estão, sim, a cada dia mais ordinárias. Ou pode-se considerar atitude digna ganhar dinheiro via notoriedade por andar exibindo as ditas partes íntimas (que, de tão expostas, já são públicas) e mais, se vangloriar disso. O que vemos diariamente no noticiário: ex-bbs dedicadas a ações sociais? Herdeiras milionárias correndo o mundo para combater a poluição? Cantoras pop detonadas de drogas e álcool fazendo campanha para esclarecer a garotada que esse não é o caminho? Não! O negócio é botar mais e mais litros de silicone nos peitos (para, daqui a uns anos, carregá-los em carrinho de mão) e aparecer na capa do Terra. Dar dicas sobre como fazer sexo também é moeda corrente neste comércio vil em que, portanto, trabalha-se deitada e descansa-se em pé.
Ralem-se as donas de casa que morrem varrendo a calçada, vítimas de balas perdidas. Não há voz no Congresso que as defendam. Mas, para tomar as dores das ofendidas por um deputado que ama os holofotes, as nossas "feministas" correm ligeiro, ligeiro.
Dá nojo. Todo o episódio. Todos esses episódios, aliás. Assim como as mídias que vão fermentando estas imundas manifestações da pobreza mental e espiritual humana.
Vai mudar? Não vai não. Vai continuar e piorar. O circo moderno, como se sabe, não usa mais feras em seus espetáculos. Afinal, não precisa. Tem pessoas que agem de modo pior.
Dona Cida, uma médica, que ao se explicar trocou a palavra "calão" por "escalão" (referindo-se à palavra puta, instituída como de baixo calão), teoricamente uma mulher esclarecida, desabou ao ser chamada publicamente de feia. Teria desabado se fosse instada a comentar coisas bem mais feias, como a corrupção de tantos de seus pares? E Luciana Genro, ao analisar Clodovil como recalcado e outros adjetivos, uma política extremada, conhecida por seus pitis ideológicos, não se sente embaraçada ao se expor desta forma, numa ação inútil?
Dá pena. Pena saber como votamos mal. Que levamos para falar em nosso nome, em Brasília, gente sem a menor condição de ser porta-voz nem de si mesma.
Como tudo, nesta terra, o "causo" já virou piada. Clodovil, com certeza, vai continuar tripudiando, dentro e fora do Congresso. Ele não tem medo, isso é já bem notório. E as meninas magoadas, de beiço caído, vão se reunir no toalete, como faziam em bailes de debutantes quando um menino dizia alguma "coisa feia" da amiguinha, para enxugar as lágrimas da vilipendiada e, a seguir, retocar-lhe a maquiagem.
Aqui fora, longe do som dos boleros, continuamos com os mesmos problemas. De repente, é hora de tirar da tumba Simone de Beauvoir que, no quase sexagenário O Segundo Sexo, dizia que "não se nasce mulher: torna-se". Na encruzilhada atual de conquistas e retrocessos, dá para ver quais tipos de mulher tornamo-nos, com ou sem as para lavar.