O dia de glória chegou

“Slogan de Segolène Royal na véspera do debate : não sejam sarko-maso.” Esta é a manchete do autodenominado “modeste Cyber-Canard”, a visivelmente pobre versão …

"Slogan de Segolène Royal na véspera do debate : não sejam sarko-maso." Esta é a manchete do autodenominado "modeste Cyber-Canard", a visivelmente pobre versão virtual do eternamente contestador-adolescente jornal francês Le Canard Enchaine.


Humor bem francês, como se vê. E que não está, obviamente, presente em todas as mídias. O cinquentão Le Monde reproduz declarações de efeito de Nicola Sarkozy sobre a concorrente, do tipo "por que uma mulher desta qualidade tem sentimentos tão violentos?". Já a representante da gauche-caviar bate na tecla do perigo que ameaça a França com a possível vitória do oponente, em especial nas relações inter-raciais. E cita os grandes conglomerados, responsáveis por mídias como os grupos familiares Lagardère (que comanda TF1, LCI, TPS) e Bouygues (TF1, LCI, TPS) como autores de divulgações tendenciosas. Contra ela, é claro. Se estivessem a favor, não reclamaria.


Já o Figaro, do alto dos seus 150 anos, não hesita em apontar a vitória de Sarkô: com 54,5% das intenções de voto contra 45,5% de Segô, o político que os garotos do subúrbio chamam de "candidato da polícia" ultraaria o escore de François Mitterrand en 1988 (54,01%) e chegaria perto do obtido por Charles de Gaulle em 1965 (55,20%).


Pelas contas do Figaro, Mme. Royal só leva vantagem na faixa dos eleitores de 18 a 24 anos e entre operários e entre o que os ses chamam de "profissionais intermediários".


A garotada de alguns subúrbios mais sensíveis (leia-se cheios de imigrantes e filhos de), que aposta em Segolène, entrevistada pelo Monde já avisou: se Sarkozy realmente vencer, que a França se prepare para viver "un bordel", ou seja, uma bagunça. Aliás, esta é a gíria da hora não só dos jovens ses: 100 entre 100 ses usam esta expressão a toda hora, para qualquer situação que fuja ao normal.


De todo modo, há um medo real de que o resultado favorável a Sarkozy detone manifestações bem ao gosto local, com muita gritaria e certa fúria típica de quem derrubou a Bastilha e jogou paralelepípedos nos flics em maio de 68.


Prevenido, o governo anuncia um dispositivo que anuncia como "típico de um 14 de julho ou de uma São Silvestre" para o grande dia do segundo turno. Ao todo, 79 unidades de forças especiais serão mobilizadas, 43 delas só na Grande Paris, reunindo cerca de 8 mil homens. Outros 12 mil policiais estão convocados.


Quem governará, daqui para frente, todo aquele patrimônio histórico-cultural que leva o dinheiro de milhões de turistas todos os anos? Segô, filha de militar, nascida em Dakar, socialista desde 1978, magra, charmosa e respeitada por peleias difíceis contra, por exemplo, a pedofilia, mas, por incrível que pareça, capaz de lançar uma cruzada contra os desenhos animados japoneses, a que classificou de medíocres e nulos e incitadores à violência? Zarkô, o bicho-papão da esquerda, parisiense da gema, origem judaica mas criado no catolicismo, que, em seu blog, com um relógio digital que faz contagem regressiva para a vitória, e a bordo de uma arte que reproduz a tela de uma televisão com as iniciais NS TV, agradece a todos e diz: "sozinho, não se pode nada, juntos se pode tudo"? Seja como for, para um povo que curte uma eleição como poucos no mundo, le jour de gloire est arrivé.

Autor

Jornalista formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Maristela Bairros já atuou como redatora, repórter, editora e crítica de teatro nos principais diários de Porto Alegre, colaboradora de revistas do Centro do País e foi produtora e apresentadora nas rádios Gaúcha, Guaíba AM, Guaíba FM e Rádio da Universidade, assessora de imprensa da Secretaria de Estado da Cultura e da Fundação Cultural Piratini. É autora de dois livros: Paris para Quem Não Fala Francês e Chutando o Balde, o Livro dos Desaforos, ambos editados pela Artes & Ofícios.

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