O desprezível e repugnante gerúndio

É raro escrever na primeira pessoa e fazer declarações públicas sobre os meus sentimentos, mas, vá lá: eu odeio o gerúndio. O gerúndio, pelas razões …

É raro escrever na primeira pessoa e fazer declarações públicas sobre os meus sentimentos, mas, vá lá: eu odeio o gerúndio. O gerúndio, pelas razões que logo vão surgir, me provoca reações difusas, mas sei que é algo que se aproxima de uma náusea existencial.  


Sempre que ele diz que vai estar fazendo alguma coisa, ele quer dizer que ainda não começou, pois ainda vai estar (num futuro indeterminado), não sabe quando, nem se vai terminar. Por enquanto não vai estar fazendo nada. No entanto, preciso itir que ele chegou para ficar, para triunfar, para ser o dente de ouro na boca de personalidades, celebridades e formadores de opinião.


O gerúndio não é somente um tempo verbal, é também um estado de espírito e um evidente traço de caráter. Alguém que diz que vai estar guardando uma confidência, por exemplo, sugere que irá fazê-lo temporariamente. Ou seja, trata-se de sujeito mais ou menos confiável. É como se dissesse: "salvo melhor juízo, estarei guardando esta informação confidencial, caso contrário, traio a sua confiança". Diferente se dissesse que irá guardar, portanto, tornar-se um guardião da confidência, comprometido com algo definitivo. Ao dizer no gerúndio, tornou-se vago, escorregadio, é uma diferença sutil, porém, são as sutilezas que difereciam o vinho ordinário de outro, de qualidade percebida e consagrada.


Um amigo psicanalista sugeriu que eu desse um tempo, que me afastasse deste assunto, o gerúndio. Me alertou que falar nisto, de modo apaixonado e obsessivo, pode me levar a uma alucinação delirante. Discordo frontalmente dele. Vozes na minha cabeça afirmam que a invasão do gerúndio é o mais emblemático sintoma da deterioração galopante da sociedade, assim como nós a conhecemos. É o horror, o inequívoco sinal do fim dos tempos, da mixórdia, do caos. O gerúndio não me ilude, ele é um dos cavaleiros do Apocalipse, ele veio para estar cavalgando ao lado da Besta, e, no ato seguinte, para estar abrindo a caixa de Pandora. Estou convencido que ele tem parte com o Cão, o Belzebu, e não ira se não for contra-parente do Chupa-Cabra.


Ou talvez seja um verme cósmico, uma espécie de Allien repugnante que se apodera e se gruda no cérebro das pessoas - exceto no da Xuxa, onde não encontra nada para se grudar - e todos am a estar declarando opiniões, no mesmo modelito das atendentes das empresas de telefonia e TV a cabo. Deixam tudo etéreo, solto no tempo e no espaço, não se comprometem com nada nem com ninguém. A culpa é destas trabalhadoras? De jeito nenhum.  A culpa é do abominável e desprezível gerúndio.


Mas por que? Forças Misteriosas do Universo, por que eu vou estar odiando o novo gerúndio e me debater  com ele numa luta surda e sem testemunhas? -  pergunto, à beira da exaustão.


Acho que descobri. É pela mesma razão que não gosto de ir vivendo, gosto de viver, de comer e beber, de ir ao cinema, de ouvir musica, de trabalhar, de escrever. Posso até mesmo dizer que, na próxima vez, vou tentar escrever um artigo melhor do que este, isto é um compromisso com você, meu heróico e abnegado leitor, é uma declaração. Mas saiba, que, se eu disser, que vou estar escrevendo, esqueça. É porque fui contaminado pelo vírus G.


G de garoa, a que não chove nem molha, g de gargalo, onde tudo se estreita, g de galocha, um troço antiquado e anti-estético, gg de goma grudenta, g de gosma, de galhofa, de gangrena, de gaiato, de graforréia, g? de gerúndio, não sei se fui claro.

Autor

Paulo Tiaraju é publicitário, diretor de Criação da agência Match Point, cronista e violeiro. Foi o primeiro criativo gaúcho a ganhar o prêmio Publicitário do Ano, concedido pela Associação Riograndense de Propaganda (ARP). É pai de Gabriel Nunes Aquino.

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