O criador e a criatura
Por José Antônio Moraes de Oliveira


Aos 37 anos, o escritor Georges Simenon é diagnosticado com um sério problema cardíaco. Convencido que está à beira da morte, abandona os contos e novelas que lhe deram fama e fortuna e a a escrever sobre sua infância e seus amores. Mas o diagnóstico não se confirma, seu coração continua batendo e ele sobrevive até os 86 anos, a tempo de ver publicadas suas "Memórias Íntimas", marcadas por forte teor confessional.
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Mesmo assim, o mito Simenon não se esgota, continuando a alimentar biógrafos e estudiosos. Nos anos que se seguiram à sua morte, chegam às livrarias biografias, teses e estudos, com destaque para 'O Homem que não era Maigret', do jornalista inglês Patrick Marnham. Que apresenta a ideia de que Georges Simenon não fabricou apenas um personagem poderoso, mas foi além, criando um alter-ego veraz e autêntico.
Patrick Marnham reuniu testemunhas de editores e amigos do escritor e reproduz noticiário dos jornais da época em que Jules Maigret supostamente circulava pelos quartiers de Paris. E cita depoimentos de parisienses que juram ter avistado o Comissário Maigret subir as escadarias do Quai des Orfèvres e beber vinho branco em uma brasserie da Place Dauphine. Alguns até mesmo descrevem o sobretudo de gola de veludo e o cachecol de lã tricotado por Madame Maigret. O jornalista inglês dedicou tempo e talento ao escrever 'O Homem que não era Maigret', revelando como funcionava o meticuloso processo criativo de Simenon. Para compor um personagem, ele procurava nomes no guia telefônico de Paris, rodava pelos bairros, entrava em brasseries e bistrôs, até definir o perfil de seu personagem.
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O Comissário Jules Maigret aparece pela primeira vez em maio de 1931, na série 'Detective', produzida pelo jornalista e editor Joseph Kessel. Consta que a primeira aventura aconteceu em Pietr-le-Letton, onde Maigret percorre quartiers, hotéis de luxo e cabarés, ao investigar o caso de um letão que apareceu morto em um trem. Mais tarde, Simenon contaria que escreveu a novela em quatro dias a bordo de um veleiro ancorado em um porto da Holanda.
Estava gerado um dos grandes personagens da literatura policial moderna. Ele é um policial parisiense, corpulento, com ombros largos, que usa um casacão com gola de veludo, echarpe de lã e com um invariável cachimbo nos dentes.
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