O carrinho vermelho
Por José Antônio Moraes de Oliveira


"Estão ocultas e disfarçadas em algum
objeto que não sabemos qual seja (...)".
Marcel Proust, "O Caminho de Swann."
Naquele dia, tive a sensação que estava dentro de um sonho. Mas eu estava acordado e com os olhos abertos - entrara em um pequeno antiquário, ao lado do hotel onde me hospedara na noite anterior. Me vi entre cristaleiras e cadeiras Louis XV, enquanto no balcão ao fundo, o antiquarista olhava curioso aquele que prometia ser o único cliente do dia.
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Foi então que eu encontrei o que não procurava. Estava no meio de outros brinquedos, perto de uma pilha de discos de Carlos Gardel e Libertad Lamarque. Empoeirado, mas tinha aparência de novo e era exatamente igual ao presente que ganhei de Natal quando tinha 8 anos - um carrinho vermelho de corda Schuco, com escada, sineta e cinco bombeiros na boléia.
De todos os presentes de Natais que recordo, foi aquele que me fez mais feliz. Mas que pouco durou, pois logo o perdi, não sei como nem onde. Lembro apenas que meu tio Armando, me vendo quase aos choros, tentou me consolar:
"- Teu carrinho não está perdido.
Está no limbo dos brinquedos mas um dia vai voltar."
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E ali estava eu, adulto e não mais menino, com um carrinho de corda nas mãos, pensando no limbo dos brinquedos inventado pelo tio Armando. Foi quando notei que o dono do antiquário continuava intrigado com seu estranho cliente. Vou ao balcão e com um tanto de maldade, peço embrulhar em papel de presente.
"É o meu aniversário", desconversei.
Claro que não deu certo, mas saí da loja com um desconto e com meu carrinho vermelho embrulhado em papel de jornal.
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