O caos que abastece o processo criativo

Falava, ainda há pouco, com Pedro, um jovem estagiário da área de marketing e publicidade, sobre as necessidades do processo criativo para quem trabalha …

Falava, ainda há pouco, com Pedro, um jovem estagiário da área de marketing e publicidade, sobre as necessidades do processo criativo para quem trabalha em comunicação. Comentava sobre o hábito adquirido, ao longo de tantos anos em redações de rádio e mídia impressa, de trabalhar entre a tarde e o final da noite e de como me é difícil o período da manhã para criar. Assumo, portanto, que levantar cedo me é penoso para as funções inerentes ao mundo da comunicação. Isso que, por muitos anos, bati ponto às sete da manhã, para preparar noticiários e programas de rádio, como o Tribuna Gaúcha, que entrava no ar às 8h, com José Antônio Daudt, meu querido e saudoso amigo. Uma boa experiência, como muitas outras que viriam, independentemente de horários.

Mas o papo com Pedro, hoje, me levou a pensar o quanto nós, jornalistas, desenvolvemos o que chamo de "idiossincrasias da profissão", e que se pode traduzir por manias variadas quanto a ambientes, gentes e tarefas. Embora existam regras para nortear o trabalho profissional de todos, o que envolve disciplina de horário, deveres a serem cumpridos e outros etcs, esta profissão tantas vezes tão glamourizada termina escravizando os que por ela optaram.


Há exigências que outras não apresentam, em especial a necessidade eterna da atualização como ferramenta de sobrevivência. Chacrinha dizia "Quem não se Comunica se Trumbica" e, certamente, nem imaginava a verdade de sua frase. Já foi mais fácil: ouvir rádio, ler revistas e jornais, depois ver televisão. Agora, tem a tal internet, de quem já falei e vou continuar falando porque ela é, hoje, a ferramenta mais importante para quem vive da informação. Fiz um blog, o clinica da palavra, no blogspot, meio que na ilusão de ser lida. Ilusão, mesmo: há milhões deles e, volta e meia, um é "descoberto" e vira cult, moda ou coisa que o valha, mesmo até sem valer grande coisa. O problema é tempo para correr atrás de tanta notícia. E, justamente por causa desta obrigação jornalística de saber de tudo - ou quase - a vida em casa não é mais a mesma: em vez de um bom filminho despretensioso ao final da noite, teclamos furiosamente tentando colocar em dia mails e abrindo e fechando janelas para acompanhar as últimas do terrorismo em Londres e São Paulo ou o silicone da candidata a candidata a estrela da semana ada. Dorme-se pouco. A cabeça fica funcionando sem parar. Levanta-se da cama sabendo-se atrasado em relação ao que aconteceu durante a noite. E assim vamos ando a semana. Processo criativo? Era esse meu assunto? Se foi, em meio à pressa de escrever enquanto abro mails, o sites, vejo tv e ouço rádio pela web.

Autor

Jornalista formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Maristela Bairros já atuou como redatora, repórter, editora e crítica de teatro nos principais diários de Porto Alegre, colaboradora de revistas do Centro do País e foi produtora e apresentadora nas rádios Gaúcha, Guaíba AM, Guaíba FM e Rádio da Universidade, assessora de imprensa da Secretaria de Estado da Cultura e da Fundação Cultural Piratini. É autora de dois livros: Paris para Quem Não Fala Francês e Chutando o Balde, o Livro dos Desaforos, ambos editados pela Artes & Ofícios.

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