O canto das sirenes

Agora são as ambulâncias que nos dão ânsias. a uma, cruza outra, ao longe uma terceira se anuncia. Ou se denuncia,Ainda estamos por descobrir …




















Agora são as ambulâncias que nos dão ânsias.

a uma, cruza outra, ao longe uma terceira se anuncia. Ou se denuncia,
Ainda estamos por descobrir o estado do país dentro delas. O que importa
nem é o coma político da nação mas o como, danação brasileira.


A afronta excede a frota. Em vez de transportar isquemias, atendem a
esquemas. Não são apoplexias que nos deixam perplexos: é a complexidade
da rede de corrupção, com um sistema circulatório mais saudável que de
um recém-nascido.


Elas, as ambulâncias, correm, acorrem, percorrem - se socorrem - pois muitos
serão os chamados, poucos os processados.


A concussão a que chegamos, já que não há conclusão nenhuma nas Is,
é que o dinheiro do contribuinte a bem - a de uma mão pra outra,
de um bolso pro outro, de um eleito pra outro, de um funcionário público pra
outro.


Talvez o plantão das fraudes seja exemplar - aos plantões clínicos e hospitalares entupidos de deficiências e ineficácias dos serviços públicos. Ó, ouvi mais uma ambulância ferindo as ares, atingindo a ética.


Esses veículos, emblemáticos na pureza da brancura mais a urgência do carmim,
combinam bem com a situação nacional: o país no vermelho assistido pela ingenuidade da população. É que ainda acreditamos que ainda há esperanças de que aquela ambulância que zumbe nos ouvidos está no rumo de um infarto, um atropelamento, quem sabe um grande desastre.


Tá feia a coisa. Pior que isso é que nem um escândalo com carros fúnebres seria tão pior. Quem já está acostumado demais com sirenes vai-se incomodar com silêncios?

Leis - Interprete como quiser (II).

Os bilhetes premiados são sempre adquiridos pelos ganhadores.
É a Lei dos Grandes Números.


Aquele que não acredita em Nosso Senhor será visto como ateu.
É a Lei de Deus.


Nasceu, tem que viver até o fim.
É a Lei da Vida.


Botijões de gás de marcas diferentes vazam da mesma maneira.
É a Lei de Avogadro.


Fanhos, tartamudos, tatibitates e dislálicos não têm direito a apartes.
São as Leis da Fonética.


Os acontecimentos acontecem, acontecendo ou não.
É a Lei das Probabilidades.

Nada atrapalha mais a falta de ética do que a ética.
É a Lei Moral.


Há países que têm princípios e há os que não têm.
É a Lei de Exceção.


Nenhum tímpano funciona nos condomínios após as 22h.
É a Lei do Silêncio.


As injustiças são iguais para todos.
É a Lei Natural.


Caso a emenda fique melhor que o soneto, faz só a emenda.
É a Lei Poética.


Pra sentar no trono, tem que ser muito macho.
É a Lei Sálica.


O Estado sobrevive à custa de inaugurações.
É a Lei Fundamental.


No fundo da alma há alguma ausência de lógica que não explica nada.
São as Leis do Espírito.


Sem mordomos não haveria mordomias.
É a Lei Suntuária.


O Código Penal castiga menos que as próprias mãos.
É a Lei de Lynch.


Pense, mas não escreva; escreva, mas não divulgue; divulgue, mas não se
queixe. É a Lei de Imprensa.


Etc.

Blog se agita sem sagita

Poeta, escriba, autor insígne:
ao se perfilar não se digne
a se catalogar pelo signo
(nem benigno nem maligno)


É astrologar o que se designa
literatura, e assim se resigna
ao gancho de grossa insígnia
aos guinchos das ignomínias


É um prólogo e, logo, guia
o ensaio, o conto, a poesia
põe na intriga um estigma
tira de percepção o enigma


Para o diabo que o carregue
se é de touro ou se de jegue
se tem sinastria ou refrega
se é troiano ou se é grega


Compatíveis - qual alegria
germina legal em tal letargia?
Algazarra de gnomos ignotos
ou gritos e guizos incógnitos


Que o zodíaco não consiga
nada do que a prosa fisga
que a visitante fique vesga
se de ascendência há nesga


Horóscopo - algo retrógrado
- é gasto up-grade do agrado
pode-se harmonia categorizar
ou surpresa e acaso estagnar?


No meio do céu se prega
das entregas a mais piegas
ingênua por crer na gnose
ignora rima, coda e glosa


Se casas astrais são abrigos
nelas a gangorra do perigo
combinam gostos e agouros
agregam louros aos gurus


O vital a todos impregna
sem a gosma do esmegma
de jogo e jugo astrológico
a gerar arranjo demagógico


Se o universo tem desígnios
tenha o verso o avesso ígneo
se só gemerem almas gêmeas
será monótona cosmogonia


A escrita e a leitura magnas
não cagam regras, dogmas
garantem vago amálgama
por graça, gozo, do sintagma


Deixe que o leitor se afogue
em mil dúvidas no seu blog
que se plugue grogue, rogue
de Gregório a Burroughs:


Só há sintonia na morgue!


Graves agruras de grandes figuras.

De tanto repartir sua libido com seus pacientes,
Freud ficou sem nenhuma.


Amundsen ficou tão magoado com a frieza do
Pólo Sul para com o primeiro explorador a chegar lá
que, na hora da morte, o trocou pelo Pólo Norte.


Por sempre oferecer a outra face, Gandhi
se transformou num poliedro.


Se George Eastman ficou ou não insatisfeito
com as invenções do filme em rolo e da máquina portátil,
não se sabe. Seu suicídio não revelou nada.


Marie Curie sofria de depressão porque,
com Emilinha Borba, Marlene, Dalva de Oliveira
e Ângela Maria competindo, jamais conseguiu
ser uma das rainhas do rádio.


Lampião se degolou ao saber que sua verdadeira
alcunha por ser tão ameaçador era Rei do Cagaço.


Cristóvão Colombo morreu de colesterol elevado,
pelo costume que tinha de pôr ovos em pé.


Charles Darwin, Claude Monet e Dom Pedro II,
como comprovam suas fotografias, eram trigêmeos,
separados ao nascer. Daí a tristeza no olhar.


Devido à surdez, Beethoven teve que deixar
a Sinfonia Inacabada para Schubert fazer.


Jorge Luis Borges informava os sintomas da sua
labirintite nos seus textos, mas seu otorrino achava
que era só literatura.

 

Autor
Fraga. Jornalista e humorista, editor de antologias e curador de exposições de humor. Colunista do jornal Extra Classe.

Comments