O bar da ARI

O bar da Associação Rio Grandense de Imprensa (ARI) é o único no mundo, nascido de receita médica e batizado com as bênçãos da …

O bar da Associação Rio Grandense de Imprensa (ARI) é o único no mundo, nascido de receita médica e batizado com as bênçãos da Igreja.


Nos anos 60, Alberto André, presidente da ARI, preocupou-se com infartos sucessivos que mataram três jornalistas na mesma semana. Decidiu pedir a Rubem Maciel, professor da Faculdade de Medicina da Ufrgs, apontado na época entre as maiores sumidades da cardiologia brasileira, que nos fizesse uma palestra para ensinar como evitar os males do coração. 


Rubem Maciel tinha personalidade cativante. Sua facilidade de comunicação faz supor que teria sido jornalista não fosse a vocação para a Medicina. Sabia adequar o vocabulário aos auditórios para os quais falava. Foi direto e objetivo quando conversou conosco:


"Ninguém sabe o que causa um infarto. Há muitas teorias, mas são, todas, teorias. De certeza, apenas a tensão emocional de que a profissão de vocês é pródiga. Então, a receita é: encham a cara uma vez por semana, que alivia as tensões."


Alberto André, cujo talento nato de líder o manteve por mais de 30 anos na presidência da ARI, achou a oportunidade ótima para resolver outro problema que afetava a classe: aproximar colegas de vários veículos para que resolvessem na confraternização as naturais diferenças surgidas na briga pela notícia.


Amigo de todo o mundo e católico devoto, convidou e conseguiu que D. Vicente Scherer, arcebispo metropolitano de Porto Alegre, abençoasse a cerimônia de inauguração do bar. Naturalmente, com pequeno sermão, advertindo sobre a necessidade da temperança, para não se cair nas tentações do pecado. 


Lembrei-me desse capítulo da história da ARI no último sábado, quando conversávamos, em uma das mesas, Antônio Goulart, Glei Soares, João Firme, Martha D"Azevedo, Segundo Brasileiro Reis, Sérgio da Costa Franco e Wanderlei Soares, sobre a surdez ou a cegueira que às vezes atacam um jornal inteiro.  


Veio à tona o caso do Osvaldino, contínuo do velho Correio do Povo, em cujas atribuições, como a todos os contínuos das redações daquela época, incluía-se também a de datilografar a programação semanal dos cinemas.


Foi o caso quando estreou em Porto Alegre o filme "A força do céu". O original e as provas tipográficas se evaporaram e nunca se descobriu o responsável pelo sumiço de um "é" decisivo, que transformou o "céu" da notícia em inferno para o jornal.


Sérgio da Costa Franco contou, também, o cacófato que enfeou comentário seu, em plena campanha contra o mau-cheiro da Borregaard, recém-instalada do outro lado do Guaíba.


Agora, já não se enfatiza tanto problemas de sílabas colidindo em sons desagradáveis ou até sugerindo palavrões. Naquela época, porém, não se escrevia "fé católica", "comi melão", e para exorcizar as malsonâncias do idioma, havia até uma frase didática que, dita rapidamente, soava como língua estrangeira: "Se cá nevasse, cá se usava esqui".


O fato é que, naquela manhã, quando Sérgio da Costa Franco chegou à Procuradoria do Estado, onde também era titular, um colega lhe perguntou se escrevera de propósito:


"Quando me ocupei da Borregaard (?) neste mesmo espaço ??"


Desde então, Sérgio da Costa Franco evita o verbo "ocupar".


Hoje, o computador e a regulamentação profissional eliminaram a composição, a revisão, as provas tipográficas e o contínuo faz-tudo da Redação. Mas o bar da ARI, nos sábados de manhã, segue recolhendo histórias assim e preservando seus freqüentadores de infartos.


Se é a receita de Rubem Maciel ou a bênção de D. Vicente Scherer, não se sabe.

Autor

Jayme Copstein é jornalista, com atividade em jornal e rádio desde 1943,com agens pelos principais veículos de Porto Alegre. Trabalhou 22 anos no Grupo RBS como apresentador de programas e comentarista de opinião da Rádio Gaúcha, e atualmente é colunista do jornal O Sul e apresentador do programa 'Paredão', na Rádio Pampa. Detentor de vários prêmios, entre eles, Medalha de Prata (2º lugar) no Festival Internacional do Rádio de Nova York (1995), em 1997 publicou "Notas Curiosas da Espécie Humana" (AGE). Seu livro mais recente é "A Ópera dos vivos", editado em janeiro de 2008.

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