O amor é sempre o amor

Os reencontros sempre trazem uma pitada indesejada de melancolia de alegria e de tristeza. Sim, porque no ato de rever alguém que se ou …

Os reencontros sempre trazem uma pitada indesejada de melancolia de alegria e de tristeza. Sim, porque no ato de rever alguém que se ou longos anos sem enxergar, cegando os olhos para tudo que pudesse estar relacionado àquela pessoa, terminamos nos deparando com os dois pólos da melancolia. O sentimento de alegria é facilmente identificado. Está presente no toque das mãos, no abraço mais apertado, na ânsia alucinante de saber tudo dos últimos anos de ausência, numa sensação estranha que não me abandona desde o dia 12 de outubro, quando me permiti o reencontro, que é de recuperar o tempo perdido.


Melancolia, que faz rima perfeita com alegria, mas combina mais com tristeza. Embora a melancolia resultante da tristeza não seja nada escancarada, exibida, ostentada, colocada na vitrine no lugar de destaque. Confesso que tenho vergonha da minha melancolia entristecida desde o último dia 12. É a dor melancólica pelos abraços que não abracei nestes anos de ausência consentida; pelos conselhos que não recebi e nem pedi, e que às vezes, precisava tanto neste período de separação; pelas trocas e experiências que omitimos e que fermentariam o crescimento interno de ambos nestes longos meses brigados.


Assim, numa mesa qualquer de um shopping de Porto Alegre, local para onde convergiu toda a torcida do Grêmio (maior do Estado, hehehe?) no feriado da nossa padroeira, sentei e, na conversa com uma parte importante da minha vida, fui percebendo que o tempo é o tempo e ele nunca envelhece, mas pode sempre nos ensinar. Uma das principais lições é que não vale a pena plantar ódio e rancores se a gente pretende colher, mais tarde, sementes de amor e carinho. Naquele reencontro, fui consolidando a minha teoria de que o amor é sempre o amor, não importa o quão tentem deixá-lo feio e horrível.


Por motivos que não precisam ser expostos (que roupa suja se lava em casa, de preferência na máquina) estava há algum tempo sem falar com o meu pai, quase que negando a sua existência, seu amor, seu carinho. O.k., você venceu, meu leitor, meu caro internauta, se pensou: "Mas, como ela, que escreve tão bem sobre qualquer coisa, e, principalmente, sobre os sentimentos e parece tão esclarecida e resolvida, não falava justamente com o pai"? Se você não imaginou isso, deveria (pelo menos na parte relativa aos elogios). Mesmo assim, desculpa se enganei você. Não era intenção. Só poderia falar de algo quando itisse o fato.


Agora, em paz com a vida e com o que ela me dá ou me deu. E feliz porque a minha linda e perfeita e amada Gabriela Martins Trezzi ganhou um novo avô mais pertinho (o seu vô paterno mora em Florianópolis). Posso contar tantas coisas para a minha pequena adolescente que julgo importante para que ela não regue jamais o jardim da mágoa e do rancor. E, especialmente, para que ela compreenda a necessidade de se cultivar os parentes.  Posso contar da bicicleta que ganhei de meu pai; da valsa que bailei na festa dos meus 15 anos; da preocupação com o primeiro namorado; da felicidade dele ao saber que seguiria a sua profissão.


Sem entrar no mérito da polícia e do ladrão, do corrupto e da corrupção, um dia depois do nosso reencontro, fui com Gabriela engrossar a fila do público do filme "Tropa de Elite" (sei que ela é pequena, mas era feriado e queria um cinema que as duas pudessem assistir), e compreendi, mais uma vez, a importância de se poder fazer escolhas na vida. Ninguém, em sã consciência, escolheria, imagino, o caminho das drogas, do submundo, da prostituição e do roubo. Mas, parece que os meninos vagando nas esquinas de Porto Alegre não tiveram, entre as múltiplas opções, a escolha da educação. E o futuro deles está nas telas de "Tropa de Elite".


O que o reencontro com meu pai, a Gabriela e o filme "Tropa de Elite" têm em comum? A opção de fazer as minhas escolhas, que minha mãe e meu pai me concederam, ralando duro, para me pagar estudo e permitir que hoje eu escreva colunas, faça reportagens e atue politicamente como cidadã responsável. A Gabriela, graças ao trabalho intenso dos seus pais, terá a opção de fazer escolhas, de estudar, ter uma profissão, um futuro que tem todos os ingredientes para ser de sucesso. E a elite continua preocupada com seus cachorrinhos com laços de fita na cabeça e seu uísque importado.


Por isso, me aproprio de um texto do Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa), para encerrar a coluna: "Hoje quero preparar-me, quero preparar-me para pensar amanhã no dia seguinte? ele é que é decisivo. tenho já o plano traçado, mas não, hoje não traço planos? amanhã é o dia dos planos, amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo; mas só conquistarei o mundo depois de amanhã?. tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro?".

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve agens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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