Nunca te vi e sempre te amei

O título desta crônica, tomado emprestado de um filme, na verdade pode ser uma síndrome, ou uma simples especulação de contornos carmáticos, não sei, …

O título desta crônica, tomado emprestado de um filme, na verdade pode ser uma síndrome, ou uma simples especulação de contornos carmáticos, não sei, não sou deste ramo. Pode ser um repentino ataque de amor dos políticos pelo eleitor (recheado de "interésses"), em época de eleição, sei lá.
"Nunca te vi e sempre te amei", a síndrome, quase sempre é inconfessável e seu portador, ou portadora, arrasta consigo perdas reais e imaginárias de pessoas com as quais jamais trocou duas palavras.
"Nunca te vi e sempre te amei" geralmente assalta quando estamos em um cenário em que qualquer tentativa de fazer esta declaração (para o objeto de tamanho e súbito encantamento) será entendida como assédio de mau gosto ou atentado violento ao pudor. É só no cinema que o Brad Pitt senta-se junto ao balcão, vira-se para a garota ao lado e diz que não sabe por que, mas está loucamente apaixonado por ela. Logo a garota entra na sintonia, deixa-se levar e após algumas hesitações protocolares, (para não dar a impressão que é mulher fácil), cai nos braços do herói.
Em toda a minha vida tive apenas duas vivências "nunca te vi e sempre te amei". Com uma das mulheres ameacei trancar a respiração e só voltar a respirar se ela falasse comigo. (vivemos juntos e fomos felizes por um largo tempo). A outra, um rosto de mulher que vi na multidão, vive para sempre em algum arquivo morto que esqueci onde guardei. Nestes dias de cão em que predomina a parafernália tecnológica que liga as pessoas, diria que românticos serão evitados com asco, como foram os leprosos na Idade Média.
As escolhas, em ritmo crescente, têm sido mais ou menos planejadas por razões que a razão conhece. Não há tempo nem ambiente para mistérios e atitudes românticas. Atualmente D. Juan de Marco seria rapidamente confundido com um psicopata e a sua eleita, com um celular na mão, chamaria a polícia em alguns segundos. No entanto, a questão primordial permanece sem respostas convincentes: como surge a paixão? E porque anda tão rarefeita?
Se a "voz do coração" se origina no inconsciente, porque as escolhas são mensuradas e acolhidas segundo critérios racionais?
Nos sites de relacionamentos, é assustador a quantidade de mulheres que exige, sem volteios, homens jovens, saudáveis, ricos e bonitos. (E que gostem de caminhar no parque de mãos dadas). E depois: "Bem? Ser jovem e bonito não é imprescindível".
"Nunca te vi e sempre te amei", para mim, sempre foi e sempre será a sutileza criadora de perplexidade, como uma letra de Chico, ou um rodopio em si mesmo de Caetano. E este texto é parecido com as motivações imcompreensíveis de quem já experimentou um "Nunca te vi e sempre te amei". Meus raros leitores podem dizer: "Este cara não tinha assunto e resolveu enxugar gelo". Mesmo assim alguém pode dizer: "Eu tenho certeza do que ele está falando". Já fico satisfeito em sermos dois.
Nunca te vi e sempre te amei. A onda do mar que bateu em mim, a estranha intimidade que a desconhecida trouxe consigo. É quando a multidão cinzenta fica imóvel e uma figura humana se move a cores, linda, indescritível. E nos aterroriza saber que, em segundos, vamos perdê-la para sempre. Na dúvida largue o carro no meio do trânsito, corra em sua direção e diga tudo o que está sentindo e pensando. É melhor tentar e ar por louco varrido do que ar um longo tempo com esta fogueira ardendo (e enfumaçando) nos labirintos do seu coração.

Autor

Paulo Tiaraju é publicitário, diretor de Criação da agência Match Point, cronista e violeiro. Foi o primeiro criativo gaúcho a ganhar o prêmio Publicitário do Ano, concedido pela Associação Riograndense de Propaganda (ARP). É pai de Gabriel Nunes Aquino.

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