Novos tiranos

Uma das grandes criações de Gabriel García Márquez, "O outono do patriarca" talvez seja, ainda que em formato de prosa, o mais impressionante poema …

Uma das grandes criações de Gabriel García Márquez, "O outono do patriarca" talvez seja, ainda que em formato de prosa, o mais impressionante poema já escrito sobre a insanidade dos tiranos. Asquerosos como o general imaginário do Caribe, em algum momento eles acabam no lixo, pela simples razão de que se tornam ináveis até para os beneficiários da tirania. No romance, o "patriarca" chega ao outono - do poder e da vida - solitário no palácio tomado por galinhas, cães e vacas, e tem a morte festejada pelo povo nas ruas.


Genial construtor de fábulas a partir de eventos e personagens reais, García Márquez tinha na história da América Latina, farta de tiranos e tiranias, um manancial à disposição para seu romance.


O ambiente mudou. Já não se pratica mais tirania como antigamente. Os tiranos se modernizaram. Antes assumiam o poder com quarteladas ou revoluções e o exerciam com farda, ferro, mordaça e fogo. Agora os meios são outros. Os novos déspotas assumem o poder pelo voto ou se aliando a quem tem votos e abusam do poder com negociatas, conchavos, fraudes, pressões, manipulações e outros recursos. A diferença mais essencial, entre o velho e o novo ambiente, está no fato de que se tornou menos difícil conhecer e denunciar os tiranos e os métodos que adotam para impor sua vontade e seus interesses.


Uma das mais notáveis denúncias publicadas pela imprensa gaúcha nos últimos anos, sobre abuso de autoridade, é de autoria de Rosane de OIiveira, colunista e editora de Zero Hora. Em duas notas veiculadas ontem, 2 de abril, Rosane informou que uma "intervenção" da governadora Yeda Crusius impediu  que Isabela Fogaça cantasse, no Beira-Rio, antes do jogo das seleções do Brasil e do Peru.  


Vale lembrar a história contada na "Página 10": convidada pela Federação Gaúcha de Futebol (patrocinadora de um show de artistas gaúchos no estádio), Isabela cantaria "Porto Alegre é demais", obra do repertório de seu marido, José Fogaça (compositor reconhecido muito antes de chegar ao governo de Porto Alegre). Poucas horas antes do show, a governadora - ou alguém em seu nome - pressionou a Federação para que excluísse a apresentação de Isabela. E foi atendido(a).


Isso quer dizer que o governo estadual e a Federação Gaúcha de Futebol se fizeram cúmplices num veto grotesco e escandaloso, num ato de censura, a Isabela e a Fogaça.


Ainda estão por ser contados os motivos da governadora (ou de seu representante) para vetar Isabela, assim como os motivos da Federação para submeter-se ao veto. Zero Hora de hoje registra o recurso primitivo das autoridades que se empenham em não esclarecer coisa alguma. Elas transferem responsabilidades, num jogo de empurra-empurra destinado a confundir.


Quaisquer que sejam as razões, no entanto, com certeza tornarão esse episódio ainda mais grave e mais vergonhoso para os gaúchos. Porque o que veio a público já é uma história terrível de despotismo e covardia, a um só tempo e em alto grau. Abusou de autoridade, no mínimo, quem pressionou a Federação; acovardou-se, no mínimo, quem se rendeu à pressão; e é por abuso de autoridade e/ou covardia, no mínimo, que governo e Federação mantêm segredo sobre a autoria e a(s) causa(s) da proibição ao canto de Isabela e à música de Fogaça. 

Autor

O jornalista Robson Barenho está na profissão há 35 anos e, depois de ar pelas atividades de redação e de reportagem em rádio, TV e jornal, esteve em funções de chefia, gerência e direção de Jornalismo em Porto Alegre, Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, nos jornais O Globo, O Estado de S.Paulo, Jornal do Brasil, Jornal da Tarde e Correio Braziliense; na Rede Bandeirantes de Televisão e na Rede CBN. Atuou nas rádios Tupanci, Pelotense e Universidade, em Pelotas, e na Gaúcha. Foi para Brasília em 81 como correspondente da Guaíba e dos jornais da Caldas Junior. Ficou 27 anos entre Brasília, São Paulo e Rio,e  retornou a Porto Alegre no ano ado, onde atua na Pública Comunicação.

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