Novela chata

      Minha primeira lembrança de Regina Duarte a encontra na pele de Patrícia, a doce namorada de um bigodudo Cláudio Marzo. Estávamos em 1971, eu …

img src="fotos/coluna_eliziario_22_10.jpg" align="right" border="1">      Minha primeira lembrança de Regina Duarte a encontra na pele de Patrícia, a doce namorada de um bigodudo Cláudio Marzo. Estávamos em 1971, eu era garoto e me apaixonei por ela. Eu e a torcida do Flamengo. Não me recordo se sentia ciúmes ao vê-la nos braços do galã. Foi a primeira novela a que assisti. A agem dos anos afastou-me das novelas, mais por falta de tempo e paciência do que por preconceito. Há novelas boas e novelas ruins, alguns grandes atores e outros cuja interpretação só seria adequada ao cinema mudo, e olhe lá. Regina, integrante de primeiríssima linha da galeria dos ícones da televisão brasileira, nunca encontrou dificuldades para fazer rir ou chorar milhões de brasileiros.
      Nas novelas, Regina driblou com desenvoltura rivais amorosas, vilãs e bandidos de toda espécie. Escapou de acidentes, doenças graves, seqüestros. No entanto, nenhum dos papéis antológicos que interpretou, de Malu Mulher à viúva Porcina, a preparou para a ameaça que enfrenta agora na vida real: o ataque implacável da patrulha ideológica. Manifestar apoio a Serra e dizer que tem medo de um governo Lula equivale a declarar apoio a Lula e dizer que Serra representa um governo que fez tudo errado. Ambas as posições incorrem em evidente exagero. Regina se entusiasmou demais no papel? Pode ser. A diferença é que atacar a era Fernando Henrique não desperta reações que beiram o fanatismo religioso.
      "Se ela pode dizer o que pensa, também temos o direito de criticá-la", discursam os democratas de ocasião. Besteira. Massacres ideológicos são, por princípio, totalitários. Democracia é o convívio de contrários, não o exercício da execração de quem não reza segundo nosso evangelho. Mas, se desejam invocar o direito de expressão em seu benefício, então que fiquem à vontade para examinar com a mesma indignação as alianças do chefe com personagens antes classificados por ele como oligarcas, corruptos ou fascistas.
      A união a velhos desafetos é tão comum em política quanto um artista dizer em quem votará e por quê. Nada de mais. Lula não precisa, e certamente não deseja, a ação dos patrulheiros neste momento. Ele vai se eleger com mérito, folga e até com a ajuda de Serra, que usa o espaço político mais para atacar o adversário do que para expor suas idéias, embora todo mundo saiba que o eleitor não agüenta mais essa tática. Lula tem procurado manter um comportamento à altura do cargo que postula, incluindo o terno e o vinho. Tudo bem. Um homem tem o direito e mesmo a obrigação de viver tão bem quanto possa. Andar esfarrapado e beber pinga em boteco seria demagogia, assim é bem mais honesto. Escorregou apenas ao dizer que Regina Duarte deve estar com medo é das novas atrizes da Globo. Coisa feia, logo corrigida por ordem de Duda Mendonça, marqueteiro que já fez até o Maluf parecer elegante.
      O chato nesta novela é o tom de drama mexicano, de paixões exacerbadas e pouco bom senso. Além disso, o tema é absurdamente focado. Regina Duarte não vai governar o Brasil.
Dedicado a Anamara Bolsson
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Autor
 Eliziário Goulart Rocha é jornalista e escritor, autor dos romances Silêncio no Bordel de Tia Chininha, Dona Deusa e seus Arredores Escandalosos e da ficção juvenil Eliakan e a Desordem dos Sete Mundos.

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