Nos trumbicamos, Chacrinha

Estivesse vivo, o homem que deu à luz Rita Cadillac já teria jogado a toalha e dito: nos trumbicamos todos. A tal comunicação, na …

Estivesse vivo, o homem que deu à luz Rita Cadillac já teria jogado a toalha e dito: nos trumbicamos todos. A tal comunicação, na época de Chacrinha, já entrava em ponto de fissura pelo surgimento de múltiplos jogos de linguagens advindos da popularização da então mais poderosa mídia de todas, a televisão. Agora, já não tem estudioso tanto de linguagem quanto de TC que consiga avaliar e abarcar a onda de choque que vivemos nesta época de tanta troca virtual. E, ao falar em onda, lembro de imediato do Google Wave, cujo convite para a festa recebi faz pouco. Sinceridade: estou surfando, sim, mas ainda não vi em que, apesar de agregar outras funções, o GW é original a ponto de deixar no ado até o twitter, o atual queridinho dos navegantes.
Me sinto, e muitos devem ter o mesmo sentimento, como vivendo um sonho lisérgico em que tanto podemos gozar o prazer de entrar nos mistérios coloridos quanto sofrer a dor das imagens do medo do desconhecido e dos sons que uma indução química pode proporcionar. Tenho tuitado dias e noites, o blog parece agora uma sala de estar daquelas que se abre apenas para ocasiões mais solenes. O blog espera. Exige mais cuidados. Já no twitter, a gente pode cometer até deslizes ortográficos e de sintaxe, porque a tesão por acompanhar o que chilreia de segundo em segundo nos permite dedilhar as teclas e tocar a mensagem adiante. É isso que importa: agilidade.
Iara Rech abordou, aqui no Coletiva, a questão do twitter ter sido a estrela do apagão. Eu emendo no pensamento dela: foi a estrela também das chuvaradas. Foi não. Tem sido e será. A ponto de fazer uma espetacularização (eita palavrão, mas é o que se aplica, perdão) do fato que os próprios internautas apontaram, por exemplo, à Zero Hora, na avaliação que o veículo fez de seu trabalho em tempo real durante o mais recente temporal no Estado. Houve gente que criticou inclusive a atitude de tuiteiros, vistos como excessivamente "felizes" com o horror que testemunhavam, cobrando deles e do jornal uma posição mais crítica e séria diante do que, afinal, é um fato triste que trouxe mortes e sofrimento. O problema é: como fazer isso quando um veículo abre a porta para esta "participação popular"? Nos trumbicamos, amigo Abelardo Barbosa. Não estamos sabendo, apesar da quantidade de gente trabalhando com produtos para internet, em especial redes sociais, como agir.
Há códigos de conduta, até uma ridícula etiqueta para a rede como se tudo se resumisse a não escrever palavrões e textos em caixa alta, o que leva a asteriscos e outros recursos gráficos bestas que só poluem o texto. A democratização permitida por este contato instantâneo aberto, uma exacerbação do msn e do seu primo mais novo, o googletalk, e ainda do seu avozinho, o ICQ, (lembram?), permite a aproximação entre intelectuais e boys de escritório tão ou mais interessantes nos conteúdos do que muitos experts em comunicação. Um Leo Jaime ou um Juca Chaves são lidos, seguidos, respondidos e retuitados por quem quer que e suas contas, independentemente de idade, ideologia e até nacionalidade. E a gente ainda pode ser dar ao luxo de dar um unfollow no William Bonner, por exemplo. Sem o menor constrangimento. E voltar atrás, se quiser.
Não há ressentimentos na rede. Se isso acontece, a logo, porque o sujeito que, faz pouco, mereceu um puxão de orelhas e um "até nunca mais" por ter dito algo que desagradou, em pouco libera uma informação valiosa, uma tirada espirituosa ou simplesmente rea uma frase importante e já está refeita a trama.
Então, por que nos trumbicamos? Porque, no fundo, no fundo, estamos seguindo o flautista sem saber em que rio vamos cair. Sabemos que temos de ir. Se não formos, ou seremos abandonados ou atropelados pelos que vão. No entanto, qual a razão de tudo isso? O que trilhões e trilhões de palavras trocadas instantaneamente estão fazendo para melhorar nossa existência de verdade? Estamos amando mais? Fazendo amigos mais reais do que aqueles que nos acompanham há décadas e seguram nossa mão? Ganhando muito mais dinheiro e ajudando a distribuir melhor a renda? Aprendendo mais a ponto de minorar o sofrimento de quem precisa? Dividindo este conhecimento adquirido com generosidade e sem cultuar o ego?
Não tenho respostas para nem ao menos uma destas perguntas.
Enquanto isso, corro aqui para preparar a crônica do Coletiva que leio num só fôlego, espio o twetdeck para ver o que chegou no twitter e no facebook ao mesmo tempo, abro minha caixa de mail, pulo de um site a outro em busca do último minuto de cada um, avalio se vou aceitar o convite para o orkut, boto fotos no picasa e penso se troco pelo fickr ou uso ambos, me inscrevo em fóruns de discussão, assino feeds de uma pilha de sites, blogs, revistas e jornais virtuais, garimbo vídeos no youtube, dou mais uma estudada no wave e, cansada, corro à cozinha e faço um bom café forte. Para ganhar forças e começar tudo de novo.
 

Autor

Jornalista formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Maristela Bairros já atuou como redatora, repórter, editora e crítica de teatro nos principais diários de Porto Alegre, colaboradora de revistas do Centro do País e foi produtora e apresentadora nas rádios Gaúcha, Guaíba AM, Guaíba FM e Rádio da Universidade, assessora de imprensa da Secretaria de Estado da Cultura e da Fundação Cultural Piratini. É autora de dois livros: Paris para Quem Não Fala Francês e Chutando o Balde, o Livro dos Desaforos, ambos editados pela Artes & Ofícios.

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