Nem sei se o padre foi
Estou trabalhando duro no meu próximo livro: "Aberto para Balanço", o quarto em vôo solo. Em Porto Alegre, julho de 1961, no Teatro de …
Estou trabalhando duro no meu próximo livro: "Aberto para Balanço", o quarto em vôo solo.
Apanhei pouco, é verdade, às vezes até de forma divertida. Havia um padre, numa igreja da Alberto Bins, que todo domingo, no sermão da missa das dez, pedia aos fiéis que não assistissem a "O Despacho".
Graças a infiéis que acendiam uma vela para Deus e outra para mim, eu tinha notícias dessa minha ascensão ao púlpito sacerdotal.
Naquela peça, eu fazia deboche da parte da igreja que reagia - arcebispo, inclusive - ao discurso inovador da ala progressista, coisa que eu, não religioso, mas cidadão praticante, acompanhava com interesse.
Peréio interpretava um pároco de subúrbio que, no convívio com o povão de sua paróquia, ia agregando novos valores à sua visão social. Hugo Cassel fazia um bispo conservador e reacionário. Era a síntese real do embate da Igreja naqueles tempos.
A peça colocava em termos de farsa as calamidades do país que acabara de fazer de um simulacro de gente - Jânio Quadros - o seu presidente. Em síntese, punha-se em cena uma farsa inspirada na eleição do farsante.
Como não sou mitômano, o material colocado em cena era um processamento da realidade brasileira, coisa que eu conhecia, vivia e sofria.
Achei injusto o esforçado pároco fazer pregação contra o que ele não conhecia, como se eu, por exemplo, escrevesse uma peça sobre os búlgaros ou outra espécie que desconheço.
Entreguei a um portador dois ingressos e um bilhete para ser entregue ao meu crítico, com mais ou menos esses dizeres:
- Aceite o meu convite para que suas futuras prédicas sejam sobre algo conhecido.
Coisa muito comum naqueles tempos era a infinidade de tempo para a construção de uma igreja ou mesmo de uma catedral. A da Sé,
Esse fato do anedotário popular ganhou em "O Despacho" uma cena hilária. Escrevi algumas letras de músicas que Ruy Barros musicou e lembro-me somente desta:
Igreja não se acaba não
Igreja é indústria da construção
Levanta uma parede aqui
Derruba outra ali
E o dinheirinho vai entrando.
Enquanto, nos bastidores, o coro cantava essa musiquinha, o "sacristão", com um saquinho, ia recolhendo os óbulos.
O Equipe deu sorte, a peça estava em cartaz quando Jânio renunciou e o autor de "O Despacho" virou profeta.
Meses depois da estréia, face ao sucesso e à repercussão política do espetáculo, Leonel Brizola, então governador do Rio Grande, mostrou interesse em assistir ao mesmo.
Para evitar uma exploração indesejada da presença do governador no teatro, providenciou-se uma sessão privada para Brizola e comitiva. Este, ao final, subiu ao palco, cumprimentou o elenco e dirigindo-se a mim, pediu que eu agendasse com o assessor de imprensa dele, meu amigo Hamilton Chaves, um encontro no Palácio Piratini.
Fomos, Milton Mattos e eu. Brizola, afirmando não saber que teatro era um canhão, dispôs-se a financiar apresentações do espetáculo em Brasília, Rio e São Paulo e pediu que eu amenizasse as críticas à Igreja. Na explicação do pedido, provou sua visão e instinto políticos, apontando para o lado da catedral e dizendo:
- Não é por causa do vizinho aí (Arcebispo Dom Vicente Scherer), mas é que a gente ainda não sabe quem vai carregar na frente o estandarte da Revolução.
Infelizmente, o povo - como sempre - ficou de fora no golpe no qual grupos de milicos carregaram o estandarte da opressão, da tortura e do Estado assassino.
Como hoje já se pode respirar ares ainda pútridos, mas livres, a realidade está aí, tragicamente generosa, oferecendo uma fartura de material para milhares e milhares de farsas.
Inté.
