Não troque de canal

Quando não há enredo e nos enredamos entre o papel e a caneta, a mente é pura dispersão. Werther, um jovem personagem alemão, criado …

Quando não há enredo e nos enredamos entre o papel e a caneta, a mente é pura dispersão. Werther, um jovem personagem alemão, criado por Goethe, em 1774, é a prova de que o lamento sempre será possível. De que o sofrimento é mesmo real e a angústia de não obter satisfação será permanente e eterna a cada geração. I can"t get no satisfaction. Ainda mais depois de 3 a zero.


Fu Lana fazia daquela tarde fria e chuvosa seu sucesso e seu fracasso. Quando nada mais poderia estragar o dia (Werther adorava o clima sombrio, pois em dias lindos, algo de desagradável leva nosso melhor humor), ela compreendeu que seu pesar em relação à vida não tinha nada de pessoal. Havia um desenho que repetia com freqüência: uma carranca de olhos vermelhos, com bocarra aberta e nariz enorme. Pensava se tratar de alguma questão íntima mal-resolvida. No entanto, ao ler Os sofrimentos do jovem Werther, encontrou sentido em seu lamento: o sentimento de infortúnio, da impotência que está no simples existir. A partir dessa leitura, Fu Lana sentiu-se absolvida. Não era mais aquele bicho incongruente, que desenhava monstros ao invés do sol. Muitos já o fizeram. E centenas de anos antes.


A literatura licencia nossos sentimentos, socializa nossas sensações mais lúgubres. Ela estava agora aliada aos fracassados de incontáveis gerações e os desprovidos dos efeitos da felicidade fácil. Afinal, o que vale um título esportivo?


Ao ear pelo Parque Farroupilha, alagado pela torrente dos últimos dias, comentou: é o degelo. Percebeu que reproduzia exatamente as palavras do jovem Werther, quando refugiava-se na natureza para ar seu amor negado. E havia, de fato, na época, o degelo local. Mais de 300 anos depois, a referência ainda é válida, desta vez ao planeta, quando podemos repetir a mesma preocupação, pois o que acontece ao pólo norte, sentimos, e muito, aqui no extremo sul. E o pesar continua. Há que se refazer o mundo.


Novamente, a dispersão. Lembrou da palestra do jornalista Juremir da Silva sobre Hermann Melvile, autor de Moby Dick. O autor interrompia, sem piedade, suas narrativas de mais 500 páginas com 40 ou 50 páginas de pura tergiversação, sobre os tipos de navios baleeiros, suas características e dezenas de descrições sobre cetáceos. Hoje, condenadas à lata de lixo, as "viagens" são censuradas pelos próprios autores, que já aprenderam com o mercado editorial. Não há tempo a perder. E não há tempo para raciocínios não premeditados. No entanto, dizem por aí que nada é proibido. Há alguma coisa de falsa no ar. 


Juremir até ousou dizer que o maior problema do Brasil no quesito leitura tem um nome. Quando os brasileiros estão em idade de ler, e gostar de ler, são obrigados a ler José de Alencar. "É só dar a eles a Pata da Gazela e se perdem leitores, de forma irremediável, para sempre". É uma afirmação grave, para um formador de opinião. Porém, como Fu Lana adora repetir: os cânones não o serão para sempre. Alguém deve dizer o contrário. Mesmo que a gente não concorde. Tudo é questionável assim como tudo pode ser dito. Viva a liberdade e abaixo a hipocrisia.


A última, rápida, sobre tevês. Canais mudam de mãos no mundo inteiro, pelos mais diversos motivos. À direita e à esquerda. Em alguns lugares pode; noutros, não.


Sendo assim, sejamos dispersos. O problema é manter o vídeoleitor  na cadeira. Espera, não muda a página. Nós vamos melhorar. Não, espe?

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