Não economize amor

Detalhes tão pequenos de nós duas. Há quase 14 anos, em Porto Alegre, uma terça-feira super ensolarada, calor de tirar o ânimo de qualquer …

Detalhes tão pequenos de nós duas. Há quase 14 anos, em Porto Alegre , uma terça-feira super ensolarada, calor de tirar o ânimo de qualquer um, alimentação suave, nada de estresse. A minha mãe me acompanhava em cada ato. Mais para ser coruja do que por nervosismo meu, que nem parecia este ser totalmente neurótico que sou. Usava um vestido marrom com detalhes em bege, braços gorduchos de fora. Levava na mala grande camisolas bonitas para receber as visitas. Na mala pequena, em tons verdes e com bebezinhos desenhados, roupitas tão pequenas, modelitos diferentes de tip-tops, bicos, fraldas?


E, por volta das 14h, já estava no Hospital Mãe de Deus, com todo o aparato familiar e amigos, onde horas mais tarde nascia o capítulo mais importante de minha vida. Se eu estava tranqüila e nem tinha pressa em me desfazer daquela barriga enorme e ver meus pés desinchados, a Gabriela Martins Trezzi, então, literalmente, não estava nem aí. De jeito e maneira, a pequeninha não queria deixar o túnel quente, escuro e seguro que lhe serviu de morada durante exatas 40 semanas. E desde aquela época começou, suponho, a nossa cumplicidade explícita. Acatei a sugestão da minha filha e respeitei sua vontade de esperar mais.


No início da noite, 19h29min, quando a Gabriela, vencida pelo cansaço, decidiu conhecer o mundinho aqui fora, a pediatra mais amada e querida, Beatriz Moraes da Silva, mostrou-me aquele serzinho tão desconhecido e ao mesmo tempo contraditoriamente tão íntimo meu e disse: "é o nenê mais bonito que já vi nascer". Não é frase de mãe boba! Minha corujice e cegueira não chegariam a ponto de inventar. Juro por tudo que é mais sagrado. Pelo sangue de Jesus. Por Oxalá e Ogum. Pelo meu Anjo da Guarda. Pela minha mãe menininha. Por Santo Antônio, São João e São Pedro, celebrados neste mês.


Lamento profundamente informar. Mas este serzinho resolveu crescer. Cheio de razão. Independente da minha vontade. Nem me consultou. Da noite para o dia. Ainda ontem, me fazia enfrentar filas no quarteirão para comprar ingressos para a apresentação de uns imitadores dos "Bananas de Pijamas"; ou pagar mico e comprar lembranças no show da Sandy e Júnior (eca) no Gigantinho (eca dupla). De repente, vejam só, Gabriela vai ao salão, desfila nas festas dos seus colegas do alto de um belo scarpin de salto, escolhe suas próprias roupas. E, me poupem! Perdeu o sono preocupada com a apresentação de um trabalho de Geografia.


Sei que o tema é recorrente na minha vida e na coluna. Perdão, leitores! Novamente, devo alertá-los! Principalmente as mães. E a todos que sabem amar. Porque até para amar é preciso sabedoria. Não economize elogios, carinhos, ternura, beijos e afagos às pessoas que você ama demais. Daquele amor que, como já disse o grande Caio Fernando Abreu, chega a doer. Se tiver vontade, telefone mais de uma vez ao dia. Entupa a caixa de emails. Faça cafunés. Mande flores. Deixe bilhetinhos reforçando seus sentimentos. Não só para seus pares carnais. Abuse das demonstrações para amigos, filhos, parentes e blá, blá, blá.


Porque um dia aquele serzinho fica tão poderoso que está cuidando de você durante uma simples gripe. Tirando a temperatura, fazendo chazinho quente e levando na cama. Ou a criaturinha fica tão grande que quer lhe apresentar o namorado, um cabeludo com piercing (aimopai, deleta, apaga? não falei isso? meu dedo se soltou). O que eu faço? Ou vem lhe pedir conselho sobre uma briga que teve com a segunda ou terceira melhor amiga da vez. E se eu errar? Ou o bebezinho já é uma mulher tão linda e atraente que a na rua e ouve elogios masculinos (eta, raça inconveniente).


Trago poucas certezas na vida. Quase todas no campo político (hehehe). E uma apenas no aspecto sentimental, particular, afetivo, ou seja, lá como queiram classificar. Nada. Absolutamente nada substitui o amor que a gente precisa sempre e quantas vezes julgarmos necessário demonstrar pelas pessoas especiais para nós aqui nesta vida!

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve agens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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