Não deixem morrer a magia do Natal
Todas as manhãs de dezembro, desde o dia 6 deste ano, quando começa o ritual natalino, têm sido sempre iguais. Levanto pé ante pé, …
Todas as manhãs de dezembro, desde o dia 6 deste ano, quando começa o ritual natalino, têm sido sempre iguais. Levanto pé ante pé, bem devagarinho para não fazer barulho, como se caminhasse sob algodão. E dirijo-me até a janela da sala do novo apartamento, onde no parapeito depositei na noite anterior o meu sapatinho para o Papai Noel encher de presentes. Ao recolher o meu calçado, sem um único item dos solicitados na cartinha que enviei ao Pólo Norte, termino minha peripécia infantil com três teorias: Papai Noel não teve tempo de ler os pedidos (muita demanda); não me comportei; ou os tempos modernos mataram a magia do Natal.
Como confio na competência do velhinho e sei que ele se cerca de muitos ajudantes para dar conta do serviço, que é sazonal, descarto, logo, a tese de que o Noel não teve tempo de ler os pedidos. Metida e metódica, pressuponho que ele tenha um esquema pronto de longas datas para não deixar nenhuma carta sem leitura. Na minha imaginação que, às vezes, viaja para lugares tão bonitos, totalmente descolada da razão, já vi Papai Noel comandando as renas em turnos distintos e algumas, inclusive, com cargos de chefia, responsabilizam-se pelas cartas com pedidos mais críticos.
Desprovida de qualquer fagulha de modéstia, afasto, imediatamente, a suposição de que eu possa não ter me comportado. Que é isso, Noel? Não tá mais tomando Prozac? Fiz todos os meus deveres (será?) e cobrei, em excesso, os meus direitos. Mas é assim que me ensinaram. Fui uma boa filha e não fiz desaforo para a minha mãe (mother, você pode confirmar se o Papai Noel telefonar perguntando?) e até retomei as relações interrompidas com meu pai. Mantive uma alimentação balanceada e (cruzes!!!) estive longe dos salgadinhos e bolachinhas recheadas de chocolate no meio das refeições.
Aqueles pecadinhos básicos de todos os humanos, juro que até andaram me tentando, mas eu não desci dos tamancos. Não cobicei o homem da próxima (mas, olha, me segurei). Não roubei (ao contrário, o sistema financeiro é que me rouba diariamente com seus juros extorsivos). Não matei (acreditem, nem mesmo uma barata, que nojo). Ei, peraí, Papai Noel não iria ser tão carola de me punir porque fiz umas festinhas ingênuas no domingo, que é dia sagrado; e nem por ter falado, algumas vezes, o nome de Deus em vão. Considero que nem tudo pode ser tão radical e mesmo o melhor dos humanos comete algum deslize.
Será que o dono do "HouHouHou" mais esperado pelas crianças não colocou nada no meu sapatinho, toda noite apanhando sereno na janela, para me lembrar que preciso pegar mais leve com a minha filha Gabriela Martins Trezzi? Ah, qualé Noel? Se já é complicado educar uma adolescente nos dias de hoje, o peso dobra em se tratando de mãe separada. O cuidado deve ser redimensionado e as regras mais rígidas. Porque, lamento, mas se acontecer alguma coisa errada com a rebenta, o pai que não detém a guarda sempre erguerá a voz para dizer: "viu, é a tua filha, cadê a educação, tu é muito frouxa".
Ninguém vai conseguir me convencer que atrás daquela barba branca do Papai Noel existe um velhinho cheio de rancor que poderia me punir por alguma patinada minha em 2007. Não, definitivamente. Será que a última teoria de que os tempos modernos mataram a magia do Natal é a que vai explicar o vazio nos meus sapatinhos? Prefiro acreditar que não. O lúdico do Natal ainda ilumina não só as casas e os apartamentos com as luzes que piscam nas árvores, mas também energiza os corações dos adultos que precisam, pelo menos, em dezembro, despir-se, um pouco, das asperezas da vida agitada do século XXI.
Podem chover emails dizendo que a coluna tá brega. Vou arriscar. Ainda aposto que a magia do Natal está dentro de cada pessoa e é do tamanho da sua imaginação. Na mudança para o novo apartamento, Gabriela queria jogar fora umas respostas que o Papai Noel mandou, de próprio punho, quando ela tinha uns seis/sete anos. Não deixei. Matar a magia do Natal, nem pensar. Vou guardar para os meus netos. E arrumar um tempo para alcançar um presente para o menino malabarista, na esquina da Ipiranga com Princesa Isabel, que se vestiu de Papai Noel e pede aos motoristas que alimentem seu sonho de Natal.