Na contramão

Tem gente que sempre defendeu o Estado Mínimo e agora quer salvar a lavoura recorrendo ao dinheiro público. Se essa volta pode estar acontecendo, …

Tem gente que sempre defendeu o Estado Mínimo e agora quer salvar a lavoura recorrendo ao dinheiro público. Se essa volta pode estar acontecendo, não há nada de assombroso no filme O curioso caso de Benjamin Button. Fazer a vida materializar-se de trás para a frente foi um desafio para o diretor David Fincher.


Fu Lana não queria ver o filme. Pensou: deve ser ridículo, forçado, e além do mais ver Brad Pitt cheio de rugas e gagá, cá pra nós, não seria a melhor pedida. No entanto, foi obrigada a prestigiar para criar um hábito, se não dela, do cinema ao lado de sua casa que insiste em ar bombas e sempre deixa para as salas mais nobres, da Rive Droit, os filmes de conteúdo mais interessantes, sob seu ponto de vista. O gosto dos "abas retas", frequentadores do moll vizinho, dita a tônica dos filmes naquele bairro classe média, ali, na Rive Gauche. Esse conceito de margens pegou emprestado de um professor de quem era fã. O cara dividia Porto Alegre pelo Riacho da Ipiranga (na verdade, Arroio Dilúvio). Uma boa ideia que divide gostos, hábitos e classes sociais. A Cidade Baixa, que fica no meio do caminho, virou cult.


Benjamin Button precisa ser velho antes de ser moço. Velho de corpo, mas um guri no conhecimento. E a curiosidade quase matou o gato. Foi preciso alguns efeitos digitais para colocar a cabeça supermaquiada do ator sobre um corpo curvado e franzino. E a platéia fica tal um bando de ETs descobrindo como é a vida daquele tipo de terráqueo que nasce debilitado e durante dezenas de minutos vai rejuvenescendo. A cada aparição, o ator é mais Brad Pitt. Até ficar um gato irresistível. Será a telona e a produção que fazem isso? Os traços à la James Dean e Elvis Presley, nas melhores fases, e mesmo Marlon Brando antes de se tornar uma esponja inchada, tornam-se amadores em beleza e glamour. Na atuação, Brad na verdade não foi exigido, tendo apenas que brilhar e sorrir, com aqueles olhinhos carentes. Quando virou um menino, estava cheio de mamães na platéia hiperafins de lhe dar um colinho.


Claro que Cate Blanchett não poderia ficar sequer feinha ou desengonçada perto dessa estrela rejuvenescida. Ou ela é linda e sempre foi, ou a tornaram uma musa. Para uma bailarina clássica, com ares de Isadora Duncan, Cate precisou dar uns inhos, e consegue mesmo convencer com alguma graça. Fu Lana detesta itir o absoluto sucesso feminino; no entanto, o prazer mórbido e silencioso das mulheres, no escuro do cinema, quando a moça vai ficando mais velha e mais parecida com as simples mortais, é digno de análise psicanalítica. A-ha. Bem feito. Acontece com todo mundo.


O ritmo do filme fica um pouco comprometido. Dá-se algum bocejo, discreto e um tanto enfadonho por alguns minutos, mas é curioso. Faz com que a gente aceite a ordem das coisas com maior conformidade. E compreenda que a natureza é realmente sábia.


Fu Lana aprendeu, no seu tempo de menina, que em economia o natural seria a alternância entre capitalismo e socialismo. Tendo falido a tentativa de um e de outro, afora a nova teoria de que o capitalismo seria a doença terminal da Terra, pode-se supor que a roda não para. Talvez a ideia da alternância ainda seja a mais correta. Vamos fortalecer o Estado, nem que seja para assegurar o capital. Assistir a Benjamin Button abre a cabeça para certas propostas anteriormente impensáveis, em todas as direções.

Comments