Mínimo multiplicador em comum
Viver é ter que dar conta de uma pilha de necessidades. Viver em grupo é ter que imaginar himalaias delas. É o que faço …
Viver é ter que dar conta de uma pilha de necessidades. Viver em grupo é ter que imaginar himalaias delas. É o que faço quando não faço o que tenho que fazer. Aqui e ali, de vez em sempre, pego meu ábaco mental e abaqueio trechos da vida. Só para complicar, uso os piores multiplicadores de tudo na face da terra. Esse tubo excretor que agora trepa furiosamente enquanto escrevo, para me desatualizar do total que totaliza no mundo. Esse animal que cada vez mais animaliza o planeta, sem querer ofender as feras. Ecce homo. Eu. Não custa calcular o estrago, numa escala estragada pela imprecisão (minha) de dados. Para o cálculo-base, me baseio em mim. Eu e minhas mínimas vontades satisfeitas, eu e a menor quantificação possível das minhas excreções. Quer dizer, o lixo dos poucos luxos do Fraga. Como 1kg de comida/dia e consumo, goela adentro ou corpo afora, uns 10/12 litros de água. O que não fica em mim, vai pelo cano: mais ou menos um terço disso tudo. Em torno das atividades higiênicas - físicas, vestuário, domésticas - lá se vão sabonetes, xampus, creme dental, sabão em pó, detergentes, amaciantes, produtos sanitários. Por conta do consumo, acrescente-se uso e desuso de materiais. Começo com embalagens: de produtos e que embalam as compras, sacos plásticos e sacolas de papel. Falando nele, não esquecer notas fiscais; tíquetes e ingressos por todos os locais por onde circulo; jornais e revistas e publicações e material publicitário que chegam a mim; roupas e calçados que ficam gastos ou não servem mais, objetos acumulados nos espaços habitados. Calculo o volume em m3 como acúmulo ou como cúmulo? Me perco nessa cordilheira. Em seguida me detenho nas extensões semanais, mensais, anuais, em décadas de excreções fraguianas - internas e externas. Meu aterro sanitário individual. Assustador na imaginação, imagina em algum lugar real. Esse exercício não é nada. Nada, nada, nada. Se comparado ao volume mundial diário. Eu multiplicado por 6 bilhões de eus, de tubos consumidores e excretores. De tudo que cada ser humano põe pra fora, deixo de lado o insignificante - por ser menos calculável e menos generalizado: suor, lágrimas, cuspe, menstruação, vômitos, pruridos, catarro, hemoptises, cera de ouvido, e pára aí, Fraga. Os leitores mais sensíveis já se enojaram e foram ler amenidades por aí. Pra quem tem coragem de continuar o raciocínio, continuo: vamos ficar com as duas mais volumosas evidências excretoras, fezes e urina. 300 gramas por pessoa. Por dia, então, são 2 bilhões de quilogramas de dejetos humanos! Ou em medida mensurável a olhos e narizes: 2 milhões de toneladas. Postos pra fora do depósito natural que é o nosso organismo. Postos aonde? Ora, no depósito natural de toda a transformação da vida, a natureza. Somo, enquanto dou descarga: 60 milhões de toneladas de cocô e xixi todo mês. 720 milhões disso tudo todo ano. 7.200.000.000t a cada década. 72 bilhões a cada século! O que transforma o planeta na maior latrina do universo, mesmo que eu erre feio nos números. Não consigo nem pensar na monstruosa rede de esgoto que processa o improcessável. Volta tudo à natureza. Onde começou: E faz de conta que, conscientemente, farei as contas do resto dos dejetos que me escapam ou me desaguam. Das espumas pelo ralo abaixo às baterias de celular ao relento, dos pneus eternos aos gases não percebidos. E dos dejetos industriais, gerados pelos incessantes desejos da espécie. Bendita simplicidade, a do John Lennon. O cara simplificou muy bien: pense globalmente, aja localmente. E é onde me situo: entre o banheiro e a cozinha, entre a casa e o supermercado, entre o agora e o daqui a pouco. Já que não posso excretar menos, posso consumir menos. Menos desperdício. Menos torneiras abertas. Menos luzes acesas. Menos plástico trazido da rua. Menos papel comprado. Menos gasolina por minha causa. Com certeza não diminui os himalaias. Mas melhora a minha perspectiva deles. Viver é istrar noções de convívio. |
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DEFIGNIÇÕES Auto-controle - Esforço sobre-humano para permanecer humano. |
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