Menos poder para as bigs
Por Vieira da Cunha

A palavra é o meu domínio sobre o mundo.
(Clarice Lispector)
Na escalada vertiginosa que o mundo acompanha perplexo, os donos das redes sociais tendem a tornar-se cada vez mais poderosos, e sabemos todos como este tipo de superpoder acaba. Todas as ações que Mark Zuckerberg e Elon Musk, dois destes expoentes, fazem é na direção de ampliar seus poderes, indiferentes às consequências que possam causar, para o bem ou para o mal.
A recente decisão do dono da Meta (leia-se WhatsApp, Facebook e Instagram) indicando que abandonará o serviço de checagem de informação para adotar um tal "sistema de notas da comunidade" mexeu com o universo das redes sociais. Mas, como há males que vêm para o bem, este novo posicionamento pode servir para ajudar a retomar um debate que chegou a ser ensaiado há uns cinco anos e que não prosperou: por que não desmembrar as big techs e estimular mais concorrência neste campo infinito das redes sociais? O poder que os Musks e Zuckerbergs da vida têm é antissocial e, porque não especular, anticapitalista. Pessoas com poder desmedido podem se travestir de ostentarem as melhores intenções, mas antes delas estarão colocando acima seus interesses que necessariamente não serão compatíveis com os da sociedade.
Suas melhores intenções podem ser atropeladas pelos fatos, e aqui vale relembrar o episódio da consultoria britânica Cambridge Analytica, para a qual o Facebook compartilhou irregularmente informações de 87 milhões de usuários que acabaram sendo utilizadas para fazer propaganda política. (E, vale lembrar, soube-se disso graças a uma denúncia feita pelos jornais The New York Times e The Guardian, que questionaram a alegada "transparência" e o compromisso da empresa com a proteção de dados de seus clientes. Foi o bom e velho jornalismo atuando na vigilância a favor da sociedade.)
O debate sobre esta redução de poder das grandes esteve vivo na campanha presidencial norte-americana de 2019, quando a candidata Elizabeth Warren apresentou a ideia de fatiar o Facebook, a Amazon e o Google, entre outros gigantes da tecnologia. Sua bandeira pregava que seria uma forma de promover a concorrência e proteger as pequenas empresas do avanço das gigantes. Elizabeth não foi indicada a presidente por seu Partido democrata e a boa ideia murchou.
Restringir o poderio das bigtechs não seria nenhuma novidade. Lá no longínquo século 19 a poderosa Standard Oil Company foi processada por abusar do monopólio que exercia e obrigada a se dividir para que houvesse competição no mercado. Longe de ser um ato de político socalista ou comunista, o episódio é tido como um marco histórico na consolidação do capitalismo. Mais tarde, já na década de 80 do século ado, o governo americano obrigou a AT&T Telecomunicações a se desmembrar em sete empresas regionais e uma de longa distância. A IBM também foi objeto de uma longa demanda judicial que não resultou em seu desmembramento, mas as medidas adotadas restringiram seu poderio na época. E agora mesmo, há cerca de seis meses, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos anunciou o início de estudos para desmembrar o Google da Alphabet com a justificativa de atacar suas práticas monopolistas, ao capitalizar para si as buscas online e os anúncios virtuais.
No campo das redes sociais, o que temos não deixam de ser exercícios monopolistas que ameaçam o equilíbrio social e econômico, com efeitos nocivos à sociedade, como se vê diariamente em nível mundial. Agora mesmo, a decisão de Zuckerberg explicita que age de acordo com seus interesses imediatos e da forma mais oportunista possível. É positivo para seus negócios que as medidas para impedir a proliferação de notícias falsas sejam aliviadas, daí a decisão para dispensar as organizações que nos últimos anos foram demandadas para ajudar a checar a veracidade dos fatos divulgados em sua plataforma. Agora, numa tentativa de se eximir de responsabilidades, transfere para os próprios usuários - muitos dos quais adoram guinchar nas redes - a tarefa de istrar a "moderação de conteúdos". Lava as mãos para a disseminação de discursos de ódio, racistas, homofóbicos, o que seja. Fácil imaginar a balbúrdia que teremos daqui pra frente - e fácil identificar quem sairá ganhando e quem perderá nesta batalha por informação e desinformação.