Meninas no mundo

Duas notícias sobre mulheres em comunicação me chamam a atenção nesta sexta, no Coletiva. Uma trágica: a duplicação do número de mortes de jornalistas …

Duas notícias sobre mulheres em comunicação me chamam a atenção nesta sexta, no Coletiva. Uma trágica: a duplicação do número de mortes de jornalistas em ação, em especial em áreas de conflito. Não só mortes, mas perseguições por atitudes mais libertárias e que, para nós ocidentais, são banais, como fazer um site enfocando direitos femininos em países em que nascer mulher é condenação. A outra noticia é o relançamento de um site de jornalistas gaúchas que leva o nome de Opinião Feminina.


Numa semana em que vi Lya Luft na Marília Gabriela defendendo a manutenção de datas como o Dia Internacional da Mulher por, pelo que entendi, uma necessidade de afirmação ainda presente, me permito umas reflexõezinhas breves sobre nós, meninas, neste mundo. Em particular, o da comunicação. Sou do tempo (lá vou eu de novo?) em que 70 por cento das redações eram de homens e as jovens focas eram, no mínimo, motivo de olhares entre o guloso e o desconfiado, com o beneplácito de risinhos bondosos quando erravam o texto ou não cumpriam a pauta e o rigor do pito em voz alta pelos mesmos motivos.


Hoje, não sei não, mas acho que a coisa se inverteu, embora a maior parte dos cargos de chefia continue nas mãos dos rapazes, sempre mais disponíveis para levantar pela manhã, bater a porta e sair para um café no bar da esquina enquanto o mulherio ainda tem de se preocupar com a lista do mercado, as roupas na lavadora e fechar as janelas para caso de chuva.


Andei lendo um livro de Oriana Fallaci, chamado Os Antipáticos, edição velhinha em que a italiana exagerada exerce aquele jornalismo pessoal, com direito a briga explícita com os entrevistados, como fez com Federico Fellini, um pavão machista reconhecido que ela detona de início a fim do texto. Leio, também, sobre a tendência dos livros-reportagem sobre a situação das mulheres em países de extrema restrição à sua liberdade, tem várias autoras ganhando muiiiiiito dinheiro ao revelar intimidades das próprias famílias para tradução imediata mundo afora.


Não sei aonde esta estrada vai levar. Uma vez, quando estava na Folha da Tarde, era subeditora de Geral, uma repórter (hoje editora consagrada, acho que até avó), teve uma crise de choro porque o editor a pautou para uma matéria com prostitutas nos hotéis miseráveis da Voluntários. Voltou para a redação, ela e seu vestido de broderie branco, em prantos, se dizendo incapacitada para cumprir sua missão. Lembro que ainda tentei interferir a favor dela, tamanho era seu pânico, mas o editor, meu amigo Nikão Duarte, acertadamente não cedeu. Quer dizer: ainda navegamos em águas turbulentas quando se trata de tirar o sapatinho de cristal e mergulhar o pé no barro.


Digo navegamos porque o que ocorreu com minha repórter não tem tanto tempo assim, perto do tempo decorrido desde que uma saia entrou em uma redação. Laila Pinheiro deve ter muito o que contar sobre o que ou quando decidiu ser repórter policial numa época em que moças distintas não chegavam perto de delegacia.


Agora, meu medo é que estamos cada vez fazendo mais guetos. Ao mesmo tempo que vamos à guerra sabendo que podemos ser não apenas mortas mas seqüestradas, torturadas e violentadas, continuamos fazendo clubes femininos. Importa, sim, unir forças para ter representatividade, já que a questão de gênero ainda engatinha, no Brasil sobretudo, esta falsa terra de democracia moral que é, na verdade, território de quem cospe e a o pé em cima.


Mas convém cuidar para não segmentar demais ou, em breve, estaremos criando espaços para mulheres de 23 anos e meio a 25 e um dia que gostam de cor de rosa com bege e que bebem café descafeinado. Continuo defendendo ferreamente a idéia de que somos uma só família, a humana, com suas semelhanças e diferenças, o que nos enfraquece mas também nos fortalece.

Autor

Jornalista formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Maristela Bairros já atuou como redatora, repórter, editora e crítica de teatro nos principais diários de Porto Alegre, colaboradora de revistas do Centro do País e foi produtora e apresentadora nas rádios Gaúcha, Guaíba AM, Guaíba FM e Rádio da Universidade, assessora de imprensa da Secretaria de Estado da Cultura e da Fundação Cultural Piratini. É autora de dois livros: Paris para Quem Não Fala Francês e Chutando o Balde, o Livro dos Desaforos, ambos editados pela Artes & Ofícios.

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