Matar em nome da vida

Estou aqui escrevendo este texto, roendo uma maçã Fuji e tentando me distrair e não telefonar para a clínica onde Occhi, o cachorro da …


Estou aqui escrevendo este texto, roendo uma maçã Fuji e tentando me distrair e não telefonar para a clínica onde Occhi, o cachorro da minha filha (e filho de Docinho, que tirei do Morro de Santa Teresa em 2006), está na mesa de cirurgia, numa clínica veterinária da Zona Sul. Aliás, Occhi é um dos seis filhos que Dodô teve aqui em casa, pouco mais de um mês de a termos adotado e amado de cara. Ela e os filhotes estão no youtube e no blog que criei para Docinho.


Para quem adora cotejar seres humanos com fome e desassistidos e animais de estimação bem-tratados apontando a injustiça do ato, um pedido: pode parar de ler por aqui. E a quem enviar críticas para publicação aqui, um aviso: vão levar paulada.


Adiante, então, com mais dois pontos: se estou aflita porque um vira-latas está na mesa de cirurgia e pode sair de lá muito bem como não sair ou voltar para casa com algum problema, imaginem o que sinto ao ler a história do pai que sequestrou a filha  de um hospital, na Itália, para lhe dar "uma morte digna".


Eluana Englaro está em coma há anos e quem defende a eutanásia já usa frase do tipo " a religião obrigou o pai a carregar a filha morta em vida nas costas", etc etc. São em geral as mesmas pessoas que alegam razões humanitárias para desligar aparelhos e ir deixando morrer de fome um corpo cuja presença está, na verdade, incomodando os que podem andar, rir, chorar, trair e coçar.


Fizeram o mesmo com Terri Schiavo,  lembram? O marido jurava que ela tinha pedido para nunca ficar em coma e ter aparelhos desligados. A mãe e o pai se desesperavam afirmando o contrário. Nunca vou esquecer a foto desta mulher, com olhar de pedido de socorro. Mas mandaram matar e fim. E tem mais: nem os médicos sabem se ela vai sofrer neste processo de "morte digna".

Autor

Jornalista formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Maristela Bairros já atuou como redatora, repórter, editora e crítica de teatro nos principais diários de Porto Alegre, colaboradora de revistas do Centro do País e foi produtora e apresentadora nas rádios Gaúcha, Guaíba AM, Guaíba FM e Rádio da Universidade, assessora de imprensa da Secretaria de Estado da Cultura e da Fundação Cultural Piratini. É autora de dois livros: Paris para Quem Não Fala Francês e Chutando o Balde, o Livro dos Desaforos, ambos editados pela Artes & Ofícios.

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