Marcel

José Antônio Moraes de Oliveira

Um dos grandes da literatura de nosso tempo, Valentin Louis Georges Eugène Marcel Proust nasceu há exatos 150 anos, em 10 de julho de 1871. Quarenta anos mais tarde, em uma tarde de janeiro, ele está à mesa de um café de Paris. Casualmente, molha uma Madeleine em sua xícara de chá. De súbito, o gesto desperta uma incontida tempestade de lembranças. Estava nascendo uma obra-prima, Em Busca do Tempo Perdido.

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Em O Caminho de Swann, Marcel Proust conta como, aolevar à boca a "pequena conchinha de confeitaria, tão gordamente sensual" se sente assaltado por uma infindável sequência de memórias congeladas no tempo. Erecorda com assustadora clareza,episódios de suainfância nasférias na casa dos avós. E quando, nas noites de verão, esperaque a mãe venha lhe dar o beijo de boa noite. Emergulha no poço das memórias:

"(...) Estremeci, atento ao que se ava de extraordinário em mim. Invadira-me um prazer delicioso, isolado, sem a noção de sua causa. 

Rapidamente se me tornaram indiferentes as vicissitudes da minha vida, inofensivos os seus desastres, ilusória a sua brevidade, da mesma forma como opera o amor, enchendo-me de uma essência preciosa; ou antes, essa essência não estava em mim, ela era eu".

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Críticos e estudiosos há muitobuscam interpretar a obsessão de Proust pelo resgate do tempo. Na falta de uma conclusão satisfatória, citam episódiosno cinema. Como o trenó de neve de Orson Welles em Cidadão Kane. Ou o diálogoentre os dois amantes sem nome em Hiroshima mon amour de Alain Resnais e Marguerite Duras. Um diálogo sem conclusão sobre as dores causadas pela procura da memória. Mas para o tradutor de O Caminho de Swann, lembranças enterradasporindiferença ou esquecimento, quando despertadas, nos dão "o à insuspeitadas riquezas do ado".

Muito antes, o próprio Proust já alertava sobre as armadilhas do tempo e memória:

"(...) Nós temos a pretensão de saber como as coisas se aram, pela simples razão de que não nos importamos como as pessoas pensam.

Mas, assim que nos bate a vontade de buscar, como um homem enlouquecido, tudo vira um caleidoscópio, onde não conseguimos entender mais nada".

E convida à reflexão, com um de seus paradoxos:

"Na realidade, o leitor enquanto lê,

é um leitor de si mesmo".

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem agens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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