Maravilhas do mundo

Muitos países chiaram com o resultado da "eleição" para escolher as novas sete maravilhas do mundo, uma rendosa idiotice, inventada pelo cineasta suíço Bernard …

Muitos países chiaram com o resultado da "eleição" para escolher as novas sete maravilhas do mundo, uma rendosa idiotice, inventada pelo cineasta suíço Bernard Weber, que não recebeu - nem podia - o aval da Unesco. Ainda bem. Considerada a "sistemática" (uma incontrolável votação pela Internet e por telefone celular), não se sabe como não foram incluídas as chuteiras do Romário e seus improváveis mil goals ou os badulaques estufados de silicone de alguma estrela de cinema, que fazem as delícias dos terneiros de plantão.


Não é de hoje que se tenta "atualizar", sem sucesso, a lista das sete maravilhas do mundo antigo, que nem eram sete, eram oito, incluída uma das colossais estátuas de Amenófis III, perto de Tebas, que emitia algo como um assobio. Os crédulos da época acreditavam que era Menon, filho da Aurora, dizendo "quero a minha mãe", amedrontado pelos "pecados dos homens" que testemunhara durante a noite. Se tivesse vivido no Brasil de hoje, em vez de assobio, estaria cantando a marcha "Mamãe, eu quero mamar", que já não assusta mais ninguém, por ter sido banalizada como hino nacional dos salvadores da pátria. Não há a menor possibilidade de que isso pudesse acontecer, mesmo em acrobacia de imaginação. No fim do segundo século da nossa era, o imperador romano Septímio Severo, menos dado à metafísica, mandou tapar as fendas da estátua e acabou com a choradeira do pimpolho.   


Daí por que a lista original das maravilhas do mundo antigo tem sete e não oito das ditas cujas.  Mas até ela, naquele tempo de pena de ganso, papiros e pergaminhos, tem problemas de origem, o que mostra a solidez do aforisma latino "nihil novi sub sole", que o douto Renan Calheiros traduziria como "nenhuma novilha no subsolo" para comprovar sua inocência, mas que significa apenas "nada novo debaixo do sol", também aplicável ao caso, se for levado em conta o sol dos trópicos.


A lista, a das maravilhas, não as das maracutaias, foi elaborada na Grécia antiga, quase dois séculos antes da nossa era, e não se sabe muito bem por quem.  Tudo parece indicar que seus autores se valeram principalmente da tradição oral para reconstituir um ado que já não sobrevivia, a não ser as pirâmides do Egito. As demais já tinham sido destruídas por terremotos, incêndios, saqueadores ou à própria agem do tempo.


Uma segunda limitação, a da geografia da época, restringe o valor da lista primitiva de maravilhas à condição de mera curiosidade. Como bem disse Christian Manhart, diretor do departamento de comunicação e projetos educativos do Centro do Patrimônio Mundial da Unesco, eram apenas sete  porque "o mundo antigo era muito menor que o atual". Em outras palavras, o olhar dos autores não alcançava muito além do próprio nariz e daí a ausência, por exemplo, das muralhas da China que são mais antigas do que todas as maravilhas escolhidas pelos gregos, exceto as pirâmides do Egito, ou a cidade jordaniana de Petra, contemporânea do Farol de Alexandria, do Colosso de Rhodes e do túmulo de Mausolo.


De tudo isso deduz-se que não há nenhum sentido em se organizarem listas de maravilhas, escolhidas pela Internet, com o voto de pessoas cujo mundo, apesar de contemporâneo, é ainda milhares de vezes menor do que o dos antigos gregos. Mesmo porque a Unesco faz isso com muita competência, selecionando obras para o patrimônio da humanidade - tanto o Cristo do Corcovado como a Torre Eifel lá estão, sendo a ausência mais sentida a das estátuas gigantescas de Buda que os talibãs destruíram no Afeganistão, justificados, como sabeis, ó gurus politicamente corretos, com a "cultura deles", seja lá o que isso signifique.    


P.S - A origem e o destino de cada maravilha do mundo antigo podem ser lidos em verbetes da Enciclopédia Britânica, de onde foi extraído o resumo abaixo.


Pirâmides de Gizé (Egito) - Construídas entre 2575 a .C. e 2465 a .C., para servir de túmulo aos faraós Quéops, Quéfren e Miquerinos. Seus tesouros e até pedras da estrutura foram bastante saqueados. Única "sobrevivência" das sete maravilhas do mundo antigo.


Estátua de Zeus (Grécia) - Obra de Fídias, em ouro e marfim, construída em 430 a .C.. Não se sabe se foi destruída pelos otomanos em 426 da era cristã ou se desapareceu em Constantinopla, durante incêndio em época bem posterior.


Farol de Alexandria (Egito) - Erguido em 280 a .C., na Ilha de Faros (daí o nome "farol"), para marcar a barra do porto de Alexandria. Com 110 metros de altura, sua luz era avistada a 50 quilômetros de distância. Destruído por um terremoto no século 14.


Colosso de Rodes (Grécia): monumento a Hélios, deus grego do Sol. Criado pelo escultor Chares de Lyndus, em bronze e ferro, 32 metros de altura, erguido entre 294 e 282 a .C. e derrubado por terremoto em 225 a .C. Os destroços foram levados pelos invasores árabes muito depois, em 654 A .D. Foram precisos 900 camelos para carregar o butim.


Jardins suspensos da Babilônia (atual Iraque): Não se tem certeza se foi obra da rainha assíria Sammuramat (oitavo século A.C.),  transformada pelos gregos na semideusa Semíramis, ou do rei babilônio  Nabucodonozor, no quinto século A.C. para consolar sua mulher, a princesa meda Amytis, saudosa da sua paisagem natal. Não se sabe quando foram destruídos.


Túmulo do rei Mausolo (nome que originou a palavra mausoléu), erigido em Halicarnasso, Ásia Menor, hoje território turco. Construído entre353 e 351 A .C., não se sabe com precisão quando foi destruído por um terremoto, já no segundo milênio da Era Cristã. Há fragmentos preservados no Museu Britânico, mostrando, também em mármore, cenas de guerra e uma estátua de 3 metros de altura, provavelmente do próprio Mausolo. Resta, também, uma vívida descrição do historiador romano Plínio, o Velho: era quase um quadrado de 125 metros de perímetro, em cujo topo, apoiado em 36 colunas, em cima de uma pirâmide de 24 degraus, havia uma carruagem de mármore, puxada por quatro cavalos.


Templo de Artemis (Efeso, Turquia): Construído em 550 a .C., destruído por incêndio em 356 a .C.  A estátua de Ártemis era de ouro, prata e ébano. Tudo o que sobrou foram fragmentos, preservados também pelo Museu Britânico.

Autor

Jayme Copstein é jornalista, com atividade em jornal e rádio desde 1943,com agens pelos principais veículos de Porto Alegre. Trabalhou 22 anos no Grupo RBS como apresentador de programas e comentarista de opinião da Rádio Gaúcha, e atualmente é colunista do jornal O Sul e apresentador do programa 'Paredão', na Rádio Pampa. Detentor de vários prêmios, entre eles, Medalha de Prata (2º lugar) no Festival Internacional do Rádio de Nova York (1995), em 1997 publicou "Notas Curiosas da Espécie Humana" (AGE). Seu livro mais recente é "A Ópera dos vivos", editado em janeiro de 2008.

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