Mães dos filhos do mundo

Oriunda de família pequena, o que limita a proliferação de nascimentos, há muito tempo não tinha no meu colo um bebê recém-nascido e nem …

Oriunda de família pequena, o que limita a proliferação de nascimentos, há muito tempo não tinha no meu colo um bebê recém-nascido e nem conseguia, em decorrência, minutos de privacidade com o pequeno ser. No domingo, logo que desembarquei no Aeroporto Salgado Filho, peguei a filha Gabriela Martins Trezzi e fui conhecer Lohana, minha primeira sobrinha-neta, que nasceu no dia 30 de abril, de parto normal, no Hospital de Clínicas, sob o patrocínio do SUS. Quando amparei aquele projeto de menina em meus braços, com 48 centímetros e pesando 2,6 quilos, reafirmei uma teoria universal: nada se assemelha ao amor materno.


Ao protagonizar caras e bocas aninhada em meu colo, Lohana abriu a memória dos meus dias de mamãe de primeira viagem, enlouquecida com o berreiro de Gabriela e o movimento incessante de trocar fraldas. E ao alerta do seu choro insistente, meus ouvidos escutaram foi o murmúrio da Gabriela, um som ensurdecedor e contínuo, que me tirou o sono e me deu olheiras nas duas primeiras noites em casa. A cena do ado ficou completa e nítida quando Camila, minha sobrinha e mãe de Lohana, falou que precisava comprar mais fraldas de tamanho pequeno e me lembrei do meu estoque regulador de fraldas.


Apesar de decorridos quase 15 anos, Gabriela nenê ainda aparece como uma fotografia recente no meu álbum de recordações. As páginas revelam a minha filha no primeiro veraneio, em Santa Catarina ; os banhos quando chegava da creche; os desenhos e garatujas, que ela jurava serem letras; o ninho de páscoa elaborado graciosamente pelo dindo; as apresentações na escolhinha para o Dia das Mães e eu sempre em lágrimas de emoção. Folheando o álbum que o tempo não consegue apagar e nem amarelar, revi Gabriela nascendo, engatinhando, estudando, caindo o primeiro tombo. E, na ordem natural, encontrei Gabriela adolescente.


Antes de escrever a coluna, durante o nosso almoço, conheci Gabriela coberta de argumentos, explicando por que é contra o sistema de cotas nas universidades. Ou melhor, aceitei novamente que ela não é mais do tamanho da Lohana, que não cabe mais nos meus braços, que não consigo mais niná-la com as cantigas de dormir e que ela é uma adolescente articulada, dona de suas convicções. E ganhei uma Gabriela transbordando carinho e maturidade, ao retornar da aula de inglês e me envolver com seus braços longos. Nem sempre aceitamos que os filhos crescem porque isso significa aceitar que somos mães dos filhos do mundo.


Na briga do ado, que ocupava a memória, e do futuro, pedindo licença para aos próximos capítulos, a figura já quase esbelta da minha sobrinha, mãe de Lohana, despertou-me para os dias atuais. A menina desajeitada que segurava Gabriela no colo agora é mãe e me contou que não dormira a noite toda porque a sua filha só chorava e queria mamar. Desejei-lhe as boas-vindas ao mundo das mães, prometi ar algumas tardes com ela para fazer troca de turno e, sei lá, pensei em todas as mães do mundo. Junto, lembrei de Carlos Drummond de Andrade e seu poema em que diz: "mãe não tem limite, é tempo sem hora, luz que não apaga quando sopra o vento e chuva desaba".

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve agens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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