Maddie e a mídia

O noticiário internacional destaca uma possível solução para o  desaparecimento da menina Maddie, 4 anos, em maio ado, enquanto os pais ? depois de …

O noticiário internacional destaca uma possível solução para o  desaparecimento da menina Maddie, 4 anos, em maio ado, enquanto os pais - depois de deixarem a filha e mais seus gêmeos dormindo no quarto - jantavam tranqüilamente com amigos numa praia portuguesa. Tendo mobilizado figurinhas carimbadas do xoubiz, como Beckham, e ganho doações e um site para mobilizar o encontro da doce loirinha, o caso mexeu com a mídia européia, com direito a farpas dos britânicos contra os portugueses, como era de se esperar.


Botando mais lenha na fogueira, um jornal da cidade do Porto teria insinuado o que muita gente pensa e não tem coragem de tir tal o horror de ser verdadeira a possibilidade: que os pais teriam participação no crime por acidente. O casal, lógico, anunciou publicamente que processará o periódico mas, há pouco, o pai deixou uma entrevista ofendido com as perguntas.


Um fato desses impossibilita raciocínios e reações frias e racionais, já que foi devida e imediatamente espetacularizado. Maddie não é uma criança de vila miserável das milhares que somem diariamente e estão condenadas aos cartazes com fotos que envelhecem nas paredes de delegacias. A família McCann tem dinheiro, estava num hotel para gente de grana e na medida em que aceitou a carnavalização do episódio, deve arcar com os custos desta exposição. "Mantenho a história, não mudo uma vírgula", disse o diretor Emídio Fernando do Tal&Qual. "Se publicamos a história é porque temos a certeza dela", teimou, acrescentando que o que o jornal assume é que a polícia acredita na possibilidade de os pais terem acidentalmente matado a menina inglesa.


No Reino Unido, o The Guardian já havia qualificado a cobertura midiática do caso como "absurdamente para lá dos limites" e "inacreditavelmente entediante e voyeurista". Em Portugal, num debate com responsáveis dos canais nacionais, Ricardo Costa, diretor da SIC Notícias, itiu "algum excesso", mas justificou-se com "a grande pressão", com o que concordou um porta-voz da BBC, invocando o dito "interesse do público".


Em Portugal, especialistas em comunicação acham que a mídia tem exagerado na cobertura jornalística do caso ocorrido no Algarve ,  transformando o tema numa espécie de reality show. Francisco Rui Cádima, professor de ciências da comunicação da Universidade Nova de Lisboa, já havia reclamado que a cobertura mostra "excessiva paixão, excessiva emoção e menor rigor." Falou até em "tendência para romancear", como forma de "manter a audiência fidelizada e expectante ou encher a qualquer custo as primeiras páginas dos jornais do dia seguinte".


Para o douto observador, "este deveria ser um tempo e um tema absolutamente oportuno para a mídia  se ver ao espelho e se pensar a si própria". Mas itiu que existe "uma hipersensibilidade adquirida pelas audiências". 


O presidente da Associação de Telespectadores (ATV), Rui Teixeira Mota, foi adiante e disse que o conjunto de ações geradas a partir do caso, nos veículos, lembra "uma espécie de CSI da informação", citando a conhecida série policial de televisão.


Infelizmente, para Maddie, tanto holofote de nada serviu ou serve. A se confirmar sua morte estúpida, também devida, no mínimo, ao descaso dos pais, ela entrará para a triste galeria das crianças vítimas do lado sombrio da humanidade. Pode ganhar, daqui a pouco, um filme, uma minissérie, ser lembrada em 1, 5 e 10 anos de desaparecimento. Mas a sua volta ilesa, para casa, midia nenhuma poderá lhe dar.

Autor

Jornalista formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Maristela Bairros já atuou como redatora, repórter, editora e crítica de teatro nos principais diários de Porto Alegre, colaboradora de revistas do Centro do País e foi produtora e apresentadora nas rádios Gaúcha, Guaíba AM, Guaíba FM e Rádio da Universidade, assessora de imprensa da Secretaria de Estado da Cultura e da Fundação Cultural Piratini. É autora de dois livros: Paris para Quem Não Fala Francês e Chutando o Balde, o Livro dos Desaforos, ambos editados pela Artes & Ofícios.

Comments