Losers mundiais

Quem ainda não conheceu o fracasso? Candidate-se o ser que conhece apenas o sucesso e vença novamente. No cinema, choros e risos confundem nossos …

Quem ainda não conheceu o fracasso? Candidate-se o ser que conhece apenas o sucesso e vença novamente. No cinema, choros e risos confundem nossos sentimentos. Fu Lana sente-se uma trouxa. Chora de verdade, mas ri nas aparências. Muito original, ela percebe que todos fazem o mesmo. Choram e riem disfarçados. Na verdade estamos todos atônitos no cinema, ao assistirmos Pequena Miss Sunshine.


Um filme que não promete, cumpre. Chavão que merece ser usado, pelo menos desta vez.



O difícil é itir que todos levamos uma vida sem comunicação e tão verdadeira como em Pequena Miss Sunshine. Famílias que se debatem no dia-a-dia em diálogos baseados em teorias individuais profundas, que ao serem colocadas em grupo, transformadas em palavras, não dizem nem a metade do que se propõem. Ouvimos apenas metade das frases. Cada um tem seu segredo, e sobre a infância, todos imaginam que conhecem tudo, quando a infância, hoje, é outra coisa, nunca imaginada. A influência dos adultos, por várias gerações, gerou crianças que ainda não estão catalogadas, em nenhuma  dimensão. A inocência em um mix de maldade e cópia de comportamentos. E é isso que perturba em Pequena Miss Sunshine. Conviver com fracassos diuturnos e nossos. Não de outros. Fracassos familiares, como seres humanos, como membros de uma comunidade que preza a vitória. Eles são os vencedores. Quando, na verdade, somos todos losers.



Fu Lana foi ao cinema depois dos resultados das urnas no Brasil. Apesar de ter seu candidato nacional eleito, perdeu feio no Estado. E feio, para quem está pretensamente acostumado a lutas, é menos de dez por cento. E menos de meio percentual afirma que as eleições em sua cidade, daqui a dois anos, trarão novamente as sensações de um parto de burro atravessado. Que dureza. E pensar que, ao sair da faculdade de Comunicação, há mais de vinte anos, ela estaria presenciando a última gestão de esquerda no centro acadêmico de Jornalismo. Dali para adiante, haveria apenas festas e outras manifestações neo-liberais de poder. Não mais discussões sobre as classes desfavorecidas, nem sobre o abuso de poder na imprensa ou qualquer tema polêmico. Apenas tecnotrônic sensations.


É bom quando a gente se identifica, principalmente no cinema, com uma massa de losers, fracassados, civilizados ou não. Em Pequena Miss Sunshine, Fu Lana encontrou personagens absolutamente defeituosos, mais do que ela gostaria de aparentar. Personagens que nem Fu Lana, em seu mais alto grau de depressão, poderia criar. E eles assumem posições diferentes, tentando sempre ultraar a máxima de serem perdedores. Querendo fazer parte da casta de vencedores que é defendida em todos os programas comerciais e institucionais. Querem fazer parte da grande comunidade de vencedores que têm fórmulas para vencer. Conseguem uma sensação aliada da platéia por apenas estarem tentando. E, por Deus, conseguem arrancar risos e lágrimas de quem já se dava por morto. É um roteiro arriscado. Mas para quem já está no final de suas forças, é um roteiro que atinge 90% da população mundial, pois em uma sociedade onde apenas virtuosos sobrevivem, o que resta para nós, simples mortais, cheios de defeitos é conviver e se divertir com esses mesmos defeitos. Mesmo chorando de verdade e rindo em nome do senso de sobrevivência. Imperdível: Pequena Miss Sunshine. Para quem está perdendo e para quem não cansa de ganhar, sempre.



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Dica para nostálgicos das livrarias de calçadas, para livreiros que querem aprender com os erros alheios: a livraria Ventura está fechando suas portas. Esta será última Feira do Livro de Porto Alegre para a Ventura. E Fu Lana, solidária, rea um texto recebido pela internet, apócrifo, para não dar autoria a quem não a tem. Sobre a Ventura, um apelo.


"A Ventura Livros, do Edgar (não mais) e do Gustavo, não vai bem. Será mais uma das livrarias de rua a apagar suas luzes, assim discretamente, num dia qualquer. Eles ainda estarão nesta Feira do Livro, talvez como em despedida.   É triste por razões que vocês provavelmente conhecem: dois meninos interessados em livros, vindos das C. Humanas, CONHECEDORES de livros, atenciosos, honestos. Talvez não tenham sabido lidar com as estratégias de marketing, com o fluxo de caixa, não leram os manuais de auto-ajuda comercial: como pisar no pescoço do concorrente sem que nem ele perceba, como ser o mais moderno, como deixar seus clientes babando. Sabe-se lá, só sei que é muito triste, aquela livraria com iluminação discreta, silenciosa, livraria que tinha só livros, não nos entupia de badulaques, não era papelaria. Só tinha coisas de bom gosto. Dava para ficar em silêncio, dava para ler, sentar num banquinho. Suspendia o tempo. É muito triste que desapareça. A tristeza não é só pela Ventura, mas por todas as coisas que reconheço como sendo do meu tempo que vão se acabando. A Ventura é livraria de livreiro, de balcão, de rua. Não é a livraria em si que se acaba, mas o seu estilo. Se não for modernosa. Se não for grande. Se só vender livros. Fim.


Vamos divulgar a Ventura para quem quiser conhecer bons livros: Ventura Livros Rua Mal. Floriano Peixoto, 439 Centro 90020-061 - Porto Alegre - RS. Fone: 3226.7075 e 3225.3505".  


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Em tempo: Muito bem. Tem de ser alguém como a Fu Lana para desmentir a ela mesma. Ou pelo menos explicar o que ocorreu  com esse lance da Ventura. Há alguns dias circula pela internet uma mensagem chorosa (publicada acima) sobre o fechamento de uma das últimas livrarias de calçada, etc. Fu, imediatamente, avisou  suas comparsas de negócios editoriais e pessoal da produção. Houve até quem dissesse que iria disputar no tapa os saldos da Ventura na feira. Outros ligaram para a livraria perguntando quando seria o torra-torra. E amigas suas afirmaram que disputariam a sombrinhadas, caso na Feira do Livro de Porto Alegre estivesse chovendo neste ano. Um caso sério de luta pela sobrevivência de todos. De quem fecha e de quem fica.


Porém, Fu Lana encontrou o livreiro Gustavo em frente à sua banca na Feira do Livro e, comovida, comentou com ele o recebimento do e-mail. Para sua surpresa, ele disse: não!!! mais um lamentando o  falso fechamento da livraria! Ele mesmo quando leu o e-mail  solidário, não sabia se ria ou chorava. E nos contou sobre o seu infeliz comentário para uma amiga. O que ele falou para ela, na  verdade, e vale a discussão, é que uma livraria de calçada, com  livreiro entre o balcão e a porta, dando conselhos e trocando idéias  com o público leitor é uma figura que não se sustenta mais, é um  serviço que não se paga e que, portanto, será preciso mudar. E a Ventura VAI MUDAR. Ele ainda não sabe como, mas também disse não  saber fazer outra coisa. Ele curte é ser livreiro e à moda antiga.  Mas não parou no tempo. Logo, o resumo é que a Ventura vai  diversificar e modernizar seus métodos. A começar pela forma de  pensar. Vale toda a discussão sobre o mercado, mas o Gustavo não vai  fechar as portas. Ele está repensando o negócio. Fu Lana saiu pensando. A internet, um dia, vai enfartar alguém?

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