Livros, livros…

Neste Dia do Escritor, obrigado a todos que me iluminaram. M.A. Quando Sylvio Pedroza, ex-prefeito de Natal e ex-Governador do Rio Grande do Norte, …

Neste Dia do Escritor, obrigado a todos que me iluminaram.


M.A.


Quando Sylvio Pedroza, ex-prefeito de Natal e ex-Governador do Rio Grande do Norte, chefiava, há dez anos, no Rio, o gabinete da presidência da Confederação Nacional do Comércio, eu escrevia para a instituição o livro "História do Comércio do Brasil - Iluminando a Memória".


Naquela ocasião dei-lhe, autografado, um exemplar de outro livro meu, "Antonio"s, caleidoscópio de um bar".  Meses depois, recebi dele um pequeno livro onde estava inserida a minha dedicatória. Nunca me ocorrera a idéia que alguém festejasse sua relação com escritores, catalogando as dedicatórias recolhidas durante uma vida de leituras. Fiquei muito feliz, pois esse meu editor, na ocasião, era o mesmo que, como governador, viabilizara as primeiras edições do nosso maior folclorista, Luiz da Câmara Cascudo. 


Semana ada, fui obrigado a uma tarefa cíclica, reorganizar uma das estantes de livros. A única gratificação possível para esse dever de casa é viajar por tempos diferentes, na leitura das muitas dedicatórias, inclusive a do Sylvio Pedroza dedicando-me o livrinho onde está a minha dedicatória para ele.


À cata de um livro, encontrei-me com tantos outros lidos e esquecidos, com dedicatórias e - pragmático - perguntei-me: será que dá uma crônica?


Em homenagem ao Rio Grande, pátria afetiva, comecei a selecionar livros com dedicatórias das gaúchas e dos gaúchos com quem, cuia no coração, compartilhei, num imenso galpão, o doce e o amargo mate do existir.


Ia começar a transcrever algumas dedicatórias, mas? não seria o mesmo que publicar cartas recebidas, sem autorização dos remetentes? Ri dos meus escrúpulos face à não-comparável e deslavada corrupção de políticos e apadrinhados. Ri, mas lembrando-me que não há mulher meio grávida como não existe ninguém meio ético.


Ao reler as dedicatórias, dei-me conta que algumas são cifradas e outras equívocas, ou sejam, parecem ser uma coisa e são outras. Algumas palavras femininas de muita amizade podem parecer que são mais que palavras amigas, assim como outras escondem, em palavras amigas, um vasto repertório de intimidades. Para separar o que pode e o que não pode fica mais custoso que escrever todo um livro inventado.


Dá para escrever que ao aceitar o convite de Abujamra, em 1957, para dirigir uma peça para o Teatro Universitário, escolhi "O Provocador", de Paulo Hecker Filho, que me presenteou com alguns livros seus já publicados. A partir desse gesto inaugural, sucederam-se muitos outros, nos mais diversos ramos da escrita.  


O primeiro espetáculo do Teatro de Equipe, fundado em 1958, foi "Esperando Godot", de Beckett, dirigido por Luiz Carlos Maciel. O sucesso resultou num convite do Instituto Estadual do Livro para Maciel escrever um livro. Quando "Beckett e a Solidão Humana" estava pronto, o jovem formando em Filosofia era bolsista  na Escola de Teatro da Bahia. O Equipe resolveu buscar Maciel para o lançamento e ele até hoje não parou de dar autógrafos em outros dez títulos.  


Fernando Peixoto, outro companheiro de aventuras teatrais, depois que saiu de Porto Alegre, continuou escrevendo para jornais e revistas e desandou a publicar livros. Na dedicatória de "Teatro fora do eixo", ele rememora nosso conhecimento, em 1957, tomando chope no Amarelinho, tradicional bar da Cinelândia carioca.


José Monserrat Filho saiu do Correio do Povo direto para a Patrice Lumumba, em Moscou. Quando voltou para o Rio Grande, cartucho de advogado na mão, seu lugar na Caldas Júnior já era. Virou publicitário e eu o trouxe para trabalhar comigo, no Rio. Anos depois, voltou ao jornalismo, especializou-se em Direito Espacial e não pára mais de correr mundo, em congressos e seminários. Entre uma viagem e outra, além do trabalho no Jornal da Ciência, me manda livros com afetuosas dedicatórias.


Coisa rara: tenho um livro de 1962 com nove dedicatórias: é o "Nove do Sul", de Cândido de Campos, Carlos Stein, Moacyr Scliar, Ruy Carlos Ostermann, Sérgio Jockymann, Sérgio Ortiz Porto, Tânia Jamardo Faillace, Lara de Lemos e Josué Guimarães. Quarenta anos depois, o Instituto Estadual do Livro lançou a segunda edição e nela faltam as dedicatórias do Sérgio Porto e do Josué, que nos deixaram há muito. Do Scliar, hoje acadêmico, tenho mais um montão de dedicatórias, do Ostermann também, a última no livro sobre o Felipão, da Lara, companheira por quase vinte anos, até tenho um exemplar de crônicas onde escrevi a orelha.


Do Josué Guimarães posso transcrever parte da dedicatória em "Depois do Último Trem": "Mario, a adversidade, eu acho, deve ser a mãe de todos os livros. Os meus, pelo menos, são. É uma espécie de tricô elaborado com fios de revolta, de ódio, de vazio, de opressão, de usurpações. É içar velas e navegar. Um grande? " 3 de setembro de 1974.


Quatro anos depois, uma outra dedicatória lembra o mesmo ódio: "Para Mario de Almeida, companheiro de outros tempos e lutas e sócio certo meu no projeto esperança de liberdade?"  Glênio Peres 11.09.78.


Poderia enumerar aqui centenas de outros livros que lembram leituras, amores e amizades e que aquecem lembranças, mas prefiro registrar a coincidência enquanto coincidência: os dois últimos livros com dedicatórias vindas do Sul são do Paulo Hecker, 48 anos depois dos primeiros.


Acho que deu para perceber que quando me perguntei "será que dá uma crônica?", a resposta correta seria "não". Só percebi agora. Desculpem-me.


Inté. 

Autor
Mario de Almeida é jornalista, publicitário e escritor.

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