Linhas do tempo

Nossa existência ? um período com tufos de cabelos sedosos e brilhantes entre duas calvícies ? é a medida de todos os tempos. Assim …














Nossa existência - um período com tufos de cabelos sedosos e brilhantes entre duas calvícies - é a medida de todos os tempos.

Assim como não se fazem calendários pelos anéis das seqüóias, também de nada nos serve a poeira - das estrelas ou a de cima dos móveis.


Estamos ilhados entre gigantescas e microscópicas fatias temporais.
Jamais saberemos há quantos bigues-bangues existe o que existe, ou quantos átomos se vão em cada átimo.


Vemos alguns arquipélagos de tempo aprisionado por eras - as geleiras - ou contido em minutos - os crepúsculos matinais e vespertinos. Nos extasiamos lá e cá, mas a tendência é nos voltarmos para os ciclos que nos orientam mais de perto e consistem em nossa distração do prazo final.


Contamos a vida em inúmeros números: casamentos, filhos, netos, contagem ancestral que recua só até bisavós e avança apenas até bisnetos. Por sua memorável repetição, controlamos a cronologia através de posses: casas, carros, cães. E dizemos: tive tanto disso, daquilo.


E assim vamos reduzindo essa temporalidade pessoal a curtas designações. Ansiosos pelas medidas do viver, nos enchemos de interregnos, intervalos, ínterins. Que por sua vez foram, são, serão, preenchidos por frações de outra natureza, imensurável. É quando caímos nas engrenagens das premências, soterrados de atrasos, doidos por chegar ou sair logo.


O corpo vira um mecanismo de urgência, movido a pilha de nervos. Desajustados da natureza, tentamos aferir nosso horário vital pela evanescência de um arco-íris, pela eternidade sensorial de faixas musicais ou filmes favoritos, pela desenvoltura de um pé de tomilho, por anti-hipertensivos.


Em vão. A lentidão já desassossega o sossego. Pois estamos em busca da vagareza perdida da pior maneira: celeremente. E as crônicas apressadas - como esta - são a prova.

? não vejo nada demais para a imagem de renomada instituição educativa porto-alegrense que adotou o slogan "Ou você abre portas para o conhecimento ou é uma delas." Apesar do deseducado parâmetro para a incapacidade intelectual, vindo de quem pretende atrair inteligências, percebe-se que até às avessas a publicidade funciona. Pela mensagem no ar, depreende-se que pelo menos algumas portas se deram bem nesse concorrido mercado, cada vez menos civilizado na linguagem apelativa: as que criaram e as que aprovaram o comercial.

Autor
Fraga. Jornalista e humorista, editor de antologias e curador de exposições de humor. Colunista do jornal Extra Classe.

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