Licenças

Os direitos avançam, a sociedade fica avançada. Mas existem avanços inimagináveis, à espera de avançar o que ainda não se avançou. Avançadinho que sou, …























Os direitos avançam, a sociedade fica avançada. Mas existem avanços inimagináveis, à espera de avançar o que ainda não se avançou. Avançadinho que sou, já listei alguns itens que nos avançariam até às vantagens avantajadas, vantajosas para todos. Legisladores, avante!

Licença-obviedade - Funcionários de empresas, quando estiverem prenhes do óbvio (constatado pelo crescimento do saco alheio diante do que expõem no expediente) ganham um período (não-remunerado, obviamente) para parir obviedades no recesso do seu cérebro.


Licença-mortandade - Concedida para os que já estiverem mortos em vida. Por tempo igual ao período até o falecimento definitivo.

Licença-incapacidade - Todo imbecil e todo idiota, senão se desidiotar ou se desimbecilizar regularmente, terá permissão para permanecer no território da sua idiotia ou imbecilidade (estão enganados os que acham que é a mesma coisa) por tempo indeterminado. Calculem o bem incalculável.


Licença-precariedade - Desvalidos e despossuídos terão licença para se afastar desse sistema fdp.


Licença-insanidade - Exclusiva para aqueles que obterem atestado definitivo da sua insânia, obtido no momento em que forem vistos rasgando dinheiro.


Licença-praticidade - Quem souber se virar sozinho pra se safar do desemprego brasileiro, que se vire. Tá licenciado assim que acabar de ler esta linha.


Licença-mordacidade - Para metidos a engraçadinhos que não conseguem tema melhor que estas bobagens. Uma semana sem escrever nada.


Etc.




Camelô.
Cara, conversa e coragem.
Com calor ou chuva, cativa cinco, cinqüenta, cem clientes. Carisma contagiante.
Cria cenas, canta, cascateia.
Calma, a cobra Catarina cantará na caixa.
Conselhos corretos, consumo certo.
Começa a convencer: canetas, castiçais, cintos, canivetes, cadernos, colares, carteiras, cacarecos às centenas calham aos compradores.
Cada cidadão cai na cantada capaz.
A concorrência chia.
Conquistou, com classe, a completa confiança circundante.
Colorido comércio de calçada, cumprindo o castigo de contornar a carestia.
Cai do cavalo: curiosos cochicham coisas, curtem as caretas.
Casa, cama e comida caras, criança criando, carece caprichar o circo, crescer o cachê.
Cessa o clamor. Conseguiu o cifrão.
Cuidado! A cana! É corrupção ou cadeia. É crime crer na cidade.
É correr ou ceder. Cede.
Caminha cabisbaixo. O caixote. A condução. O cansaço. As contas. A crise.
A cara crispada e a conversa calada. Cadê a coragem?
Camelô, coitado.
A cobra Catarina chora.


(Texto publicado originalmente em 82)


Autor
Fraga. Jornalista e humorista, editor de antologias e curador de exposições de humor. Colunista do jornal Extra Classe.

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