Lembranças pedagógicas

Por José Antonio Vieira da Cunha

Em tempos em que sustentabilidade, meio ambiente e a preservação do planeta estão mais do que nunca na ordem do dia, Três Dias que Mudaram Tudo é uma minissérie que merece ser vista com atenção. Reproduz os momentos dramáticos vividos após um terremoto extraordinário, com magnitude 8,7, ter provocado um tsunami estúpido de 15 metros de altura que atingiu o sistema de refrigeração da Central Nuclear de Fukushima, em 2011. Três dos seis reatores nucleares da usina japonesa derreteram provocando o maior desastre do gênero desde o acidente da soviética Chernobil.

Os oito episódios da minissérie que a Netflix mostra não romanceiam nada e tratam de forma técnica e quase impessoal os desdobramentos dos esforços dos funcionários da usina para tentar evitar o pior nestes três dias de drama. É como se três personagens estejam no centro da história: os trabalhadores, dedicados incansavelmente a tentar minorar o pior; os diretores da empresa concessionária, todos atônitos para entender o que está ocorrendo; e os governantes, estes muito preocupados com a opinião pública e indecisos sobre as medidas a adotar para proteger a população.

É drama o tempo todo, e para a humanidade teria ficado uma lição exemplar, se já não tivesse sido praticamente esquecida. É estarrecedor verificar que, localizada na costa, a usina não tinha proteção nenhuma contra tsunamis nem era capaz de ar os efeitos de um terremoto.

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No Brasil, o golpe militar de 64 está prestes a completar seis décadas, e uma recente decisão judicial, que quase a em branco, faz o favor de lembrar o que não deve ser esquecido. Aconteceu aqui em Santa Catarina, em Itajaí, onde a juíza federal Vera Lucia Feil condenou a União a indenizar por danos morais a família do professor de Lages Herasmo Furtado.

A história: o professor foi preso e torturado sob a acusação de atos subversivos em sala de aula e nunca mais se recuperou dos traumas e preconceitos que ou a sofrer até morrer em 1988, aos 64 anos. A indenização que a viúva está recebendo não tem grande expressão pecuniária, algo em torno de 50 salários-mínimos, mas o exemplar aqui é a sentença.

Nela, a juíza é enfática na argumentação: "A função pedagógica desta condenação, juntamente aos inúmeros casos similares que tramitam na Justiça Federal, deve servir como um instrumento que atue na memória de nossa sociedade e do Estado, os quais recentemente têm dado sinais de que não recordam exatamente o que ocorreu entre 1964 e 1985". Na clara decisão, a magistrada dispensou inclusive a necessidade de prova sobre os atos de tortura. Considera que a tortura praticada por agentes de governo "não costuma deixar vestígios para posterior comprovação", menos ainda "algum documento escrito constando que o preso foi torturado fisicamente e o modo pelo qual a tortura foi consumada".

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E é engraçado verificar hoje que as big techs, todas tecnologicamente muito avançadas, estão encorpando medidas para obrigar seus funcionários a voltar a trabalhar nos espaços físicos das empresas. Primeiro foi o Elon Musk, dono de Tesla e Twitter, que acabou com o trabalho à distância em todas as suas empresas, Space X incluída. No Google, outro bom exemplo, trabalho presencial rende pontos na avaliação de desempenho. Quer dizer, o retrocesso aos velhos tempos é liderado pelos empreendedores dos novos tempos. Difícil entender...

Autor
José Antonio Vieira da Cunha atuou e dirigiu os principais veículos de Comunicação do Estado, da extinta Folha da Manhã à Coletiva Comunicação e à agência Moove. Entre eles estão a RBS TV, o Coojornal e sua Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, da qual foi um dos fundadores e seu primeiro presidente, o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, a Revista Amanhã e o Correio do Povo, onde foi editor e secretário de Redação. Ainda tem duas agens importantes na área pública: foi secretário de Comunicação do governo do Estado (1987 a 1989) e presidente da TVE (1995 a 1999). Casado há 50 anos com Eliete Vieira da Cunha, é pai de Rodrigo e Bruno e tem cinco netos. E-mail para contato: [email protected]

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