Jobs, SUS e Comunicação

Este cursor piscando pra mim faz mais de duas horas, está me tonteando. Já saí e entrei aqui, neste arquivo branco de word, dezenas …

Este cursor piscando pra mim faz mais de duas horas, está me tonteando.


Já saí e entrei aqui, neste arquivo branco de word, dezenas de vezes, intercalando cada saída e entrada com o mesmo roteiro em blogs e sites do mundo inteiro, além, é claro, de espiar sem parar a minha caixa de correio eletrônico em que, às vezes, pintam assuntos interessantes para tornar públicos. Como sempre, fui ao site do Francis Pisani, minha referência eterna em notícias da web e li seus comentários sobre o lançamento do iPhone 3.0.


Lembrei, de imediato, que conversei com Pisani, por mail, logo que Steve Jobs abriu o jogo sobre o câncer que o tirou da linha de frente da Apple.


Diante de meus questionamentos sobre o que representaria para Jobs esta dramática saída de cena, o jornalista do Transnets me respondeu: "Acho que a situação é duplamente insustentável para ele. Por um lado, sua vida está em perigo e não é fácil para ninguém enfrentar isso. Por outro, ele é tão importante para sua empresa (mais que os chefes em geral) que seu afastamento coloca até sua criação em perigo. Sua obra e também as pessoas que nela trabalham os usuários que adotaram a Apple".


Pisani tem razão. Mesmo que Jobs tenha criado uma equipe azeitada, que funcione praticamente com a sua cabeça e seu método, a saída do líder sempre abala toda a estrutura circundante, em especial se este líder é genial. Claro que ninguém é eterno: chega um dia em que todo chefe, patrão, dono, criador de uma marca, de uma empresa, se aposenta e morre. Porém o baque vem. E fico eu aqui pensando que gente assim, com liderança, inteligência acima da média para criar coisas novas e boas, não deveria jamais adoecer e deveria ter uma vida mais longa e produtiva que a maioria.


Imagino este cara de temperamento anunciadamente inável no convívio diário tendo de liberar a outros o anúncio do iPhone 3.0, sem sua presença física. Fico imaginando Jobs em casa, ou num hospital: rico, cercado do que há de melhor em atendimento médico, sem ter de penar em filas de SUS e em hospitais que nem mesmo um cartaz exibem com o endereço da Ouvidoria para que os pacientes possam reclamar das coisas mal-feitas.


Vejo Jobs juntando forças para se manter plugado no império que criou e me dá uma tristeza! A mesma tristeza que me bate quando, carregando meu pai doente, fico em meio a tantas pessoas abatidas, cansadas por longas esperas e viagens, sem iniciativa até para protestar por serem tratadas pior do que gado, mesmo que as explicações oficiais digam que são tratados com cortesia e que não há reclamações.


Alguém pode dizer: dinheiro e poder não bastam para trazer a cura, olhe só o próprio Jobs! De fato. Mas carinho, atenção, respeito, independem de dinheiro.


Na quarta-feira desta semana, levei meu pai para fazer a injeção que a cada três meses ele recebe no Hospital Santa Rita do Complexo Hospitalar da Santa Casa de Porto Alegre. Enquanto esperava que disponibilizassem as fichas amarelas para marcar a reconsulta para daqui a 90 dias, conversei com uma senhora de seus 40 anos, acompanhada de um menino que parecia ter 10 anos. Ele dizia estar com fome e ela lhe disse que ele teria que esperar que a Liga abrisse, às 14h. A Liga a que ela se referia é a Liga Feminina de Combate ao Câncer, braço da criação nacional de dona Carmen Prudente, faz décadas e que, aqui em Porto Alegre, tem uma sala no Santa Rita. Pois é na Liga que esta senhora e seu filho conseguem dinheiro para a agem e para ela comprar alimentação e suplemento alimentar que possibilite ao filho ganhar peso e se fortalecer. Sim: não era ela a doente que esperava para marcar nova consulta. É o filho.


O garoto tinha 13 anos quando descobriram que o tombo que levara não gerara clavícula fraturada: era um câncer ósseo. Vencida a ameaça de amputação do braço, sobreveio o enxerto de osso retirado da perna, depois as sessões de quimio e radioterapia. "Ele estava com 35 quilos, agora já está com 40" , comemorava a mãe, acrescentando: "no colégio, ele só perdeu um ano, e é exemplo pros colegas, porque gosta de estudar e tira boas notas".


São estas notícias que fazem a gente menos triste. Assim como a atenção de colegas que trabalham na Comunicação Social e instituições de saúde, como Paulo Burd, que encaminhou ao secretário da Saúde Osmar Terra o mail que lhe enviei com os links do que escrevi aqui, semana ada, e também os complementos relatados em meu blog Clínica da Palavra. Atitudes como esta dão esperança pra gente prosseguir bronqueando pelos próximos e, por tabela, por aqueles que não sabem sequer a quem reclamar.


A propósito: a Comunicação do Ministério da Saúde é um blefe. Todas as mensagens que mandei, tanto para a Ouvidoria como para o Contato do Fale Conosco, voltaram por não encontrar destinatário. Que vergonha!

Autor

Jornalista formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Maristela Bairros já atuou como redatora, repórter, editora e crítica de teatro nos principais diários de Porto Alegre, colaboradora de revistas do Centro do País e foi produtora e apresentadora nas rádios Gaúcha, Guaíba AM, Guaíba FM e Rádio da Universidade, assessora de imprensa da Secretaria de Estado da Cultura e da Fundação Cultural Piratini. É autora de dois livros: Paris para Quem Não Fala Francês e Chutando o Balde, o Livro dos Desaforos, ambos editados pela Artes & Ofícios.

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