Invernais
Por José Antônio Moraes de Oliveira

"No coração de quem escreve é sempre inverno".
Émile Zola.
Lembro que era fins de Outono e o Inverno estava quase chegando. Das janelas ainda embaçadas pelo frio da noite não se enxergava as ruas. Por um momento, me transporto aos tempos ados, quando o menino preferia ficar dentro de casa, lendo tudo o que caía nas mãos, em vez de brincar com os moleque da esquina. Meus pais devem ter imaginado que eu tinha talento para ser escritor e me deram de presente de aniversário uma caneta-tinteiro Parker 51.
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Eu sempre gostei de escrever a lápis, depois aprendi a usar a caneta de ponta de aço que precisava molhar no tinteiro. Era o tempo dos ditados, quando o professor recitava trechos de livros em voz grave e pausada e a gente rabiscava em laudas de papel almaço.
Mas o que se escrevia tinha pouco ou nada a ver com o ditado. Assim mesmo e para meu espanto ganho alguns "Muito Bom". E ao final do ano, chego em casa com a Nota Dez na prova de redação. Sou recomensado com um beijo da mãe e a previsão da Tia Julieta, enrolada em seu xale de tricô, me fala ao ouvido:
"- Um dia, vais acordar escritor".
Vem o tempo de ganhar a vida e o curso de datilografia manda para a gaveta as penas de aço e meus lápis Johann Faber nº 2. Fazendo companhia para a Parker 51 ao lado de um anacrônico vidro de tinta azul. Agora é a vez das Remington e Underwood na redação do jornal, onde se escreve vigiado pelo grande relógio da parede. Não há mais tempo para pensar e refazer o que já está escrito. Correm os anos e foram pilhas de laudas de papel cobertas por centenas (milhares?) de palavras, parágrafos, vírgulas e reticências. Tudo descartável a cada 24 horas.
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É mais uma vez Inverno, os vidros das janelas embaçadas pelo frio da noite e o nevoeiro esconde os altos pinheiros. Meu dia começa diante da página em branco do processador de texto. E apesar do cansaço de escrever, rescrever, revisar e editar, ainda ouço a velha tia:
"- É hoje que vais escrever algo verdadeiro?".
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