Interatividade
Estou às voltas com muitos compromissos e prazos, trabalhei no feriado, sábado e domingo, e quando ia escrever esta crônica a cabeça disse "não". …
Estou às voltas com muitos compromissos e prazos, trabalhei no feriado, sábado e domingo, e quando ia escrever esta crônica a cabeça disse "não".
Minha obrigação com Coletiva é sempre respeitada, inda que às vezes a Internet finja não saber disso e não entregue no prazo. Mais acuado que rato em guampa, a imaginação sonhou com uma crônica interativa, com a participação de amigas e amigos.
Certa vez mandei um e-mail para um círculo pequeno de amigos íntimos, perguntando como eles conseguiam conviver comigo, pois eu não estava conseguindo mais. A resposta que mais me agradou foi a do Monserrat, gaúcho, jornalista, publicitário e amigo há quase 50 anos: "Você é o único que tem que conviver com você 24 horas por dia". Imaginei pedir ajuda a ele, advogado formado pela Patrice Lumumba, de Moscou, e um dos nossos poucos especialistas em Direito Espacial. Se mandasse enviar um e-mail para o Mon poderia receber uma resposta automática de que ele estava em Oslo, envolvido em discussões sobre satélites.
Pensei em outro ex-presidente do Clube de Criação do Rio e antigo companheiro da Agência da Casa, que implantei na Globo, o Carlos Pedrosa, hoje na Contemporânea. A resposta poderia ser a mais pragmática possível: "Mario, estou em cima de uma campanha para ser apresentada às 11 horas de segunda. Se você acabar a crônica, vem até aqui dar uma mãozinha".
A imaginação apelou para outra amiga há quase 50 anos, a psicóloga gaúcha, apaixonada por música, Vera Verissimo. A resposta foi maravilhosa, mas em outro sentido: "Dear, estou totalmente envolvida com o trabalho que me pediste, a parte musical do espetáculo sobre Quintana, com o Rogério Fróes. Achei uma música? Tua crônica pode ter som?".
Já que estava sintonizado em Porto Alegre, pensei no Verissimo mas, imediatamente, lembrei-me do seu tradicional laconismo e eventual resposta: "Eu, hein?". Clô Barcellos foi quem me trouxe à Coletiva e pensei na Fu Lana. Resposta: -"Ô fulano, tu não te acha muito folgado!?".
Como parceiro é coisa entre amigos, quem sabe o Rafael Guimaraens, parceiro no nosso "Trem de Volta - Teatro de Equipe"? Peguei o Rafinha em meio à escrita de um discurso e como já escrevi mais que mil - para os outros - até pedi desculpas.
Renata Rubim, designer mestra em superfícies, foi sincera: "Mario, como não és profundo, seria redundante".
Minha filha Rachel, do Caderno B do Jornal do Brasil, começou a escrever, também, para um site de Cultura e anda mais atrapalhada que cusco em procissão. A outra - Carla - foi fazer um frila na Fundação Oswaldo Cruz, acabou contratada, lá trabalha pela manhã e à tarde prossegue no Jornal da Ciência, para onde entrou ainda estudante. Por aí, nem pensar.
Tenho alguns amigos na Academia Brasileira de Letras e a colocação da Renata Rubim - sem trocadilho - calou fundo. Quem sou eu para pedir socorro na casa de Machado de Assis?
Pensei em Carlos Drummond e a memória funcionou instantânea:
"? Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração?"
Eu já estava pensando em pedir socorro ao Gustavo Borges Lopes e ao José Antonio Moraes de Oliveira, cujos textos sugeri para Coletiva, quando Vieira da Cunha, meu editor aqui, perguntou gentil, mas inquieto:
- Caro Mario, e a crônica?
- Acabei. Tu foste o último a escrevê-la.
Inté.
Mario de Almeida é jornalista, publicitário, dramaturgo, autor de "Antonio""s, caleidoscópio de um bar" (Ed. Record), "História do Comércio do Brasil - Iluminando a memória" (Confederação Nacional do Comércio), co-autor, com Rafael Guimaraens, de "Trem de Volta - Teatro de Equipe" (Libretos) e um dos autores de "64 Para não esquecer" (Literalis).
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