Inteligência criminosa
Por Vieira da Cunha

Pois então, a inteligência artificial é muito engraçadinha - e perigosa como só ela. Nos jornais do dia seguinte à eleição do papa sul-norte-americano, fiquei curioso para saber se seria brasileiro um dos dois religiosos que apareciam a seu lado na sacada mais famosa do mundo. O ChatGPT respondeu com a rapidez que o caracteriza:
- Não existe um Papa Leão XIV. O último papa com esse nome foi Leão XIII, que ocupou o papado de 1878 a 1903. Nunca houve um Papa Leão XIV - pelo menos até maio de 2025. Se você estiver se referindo a uma encenação, obra de ficção, sátira ou possível erro de digitação, posso ajudar a esclarecer - talvez tenha havido confusão com João Paulo II, Bento XVI, Francisco, ou mesmo com Leão XIII. Você lembra mais detalhes da ocasião ou imagem a que está se referindo?
Respondi simplesmente escrevendo que a resposta estava errada, pois já temos um papa com este nome.
A inteligência ligeirinha ficou 'buscando na web' e respondeu dois segundos depois:
- Peço desculpas pela informação anterior. De fato, no dia 8 de maio de 2025, o cardeal norte-americano Robert Francis Prevost foi eleito Papa, adotando o nome Leão XIV. Sua primeira aparição pública ocorreu na sacada central da Basílica de São Pedro, onde dirigiu suas primeiras palavras aos fiéis reunidos na Praça de São Pedro.
A inteligência esquizofrênica foi adiante para tropeçar novamente nos fatos e desinformar:
- No momento de sua aparição, após o anúncio do "Habemus Papam" feito pelo cardeal protodiácono Dominique Mamberti, Papa Leão XIV surgiu sozinho na sacada para proferir seu discurso inaugural e conceder a bênção "Urbi et Orbi". Não há registros de outras pessoas ao seu lado durante esse momento solene.
Desisti da curiosidade sobre o padre vizinho do papa e segui em frente.
Desinformar é crime com penas ainda nebulosas no elenco de leis modernas. A IA navega perigosamente por estes descaminhos, induzindo a erros inacreditáveis e imperdoáveis. A sociedade não tem nenhum escudo que a defenda.
É assim em tudo que nos cerca nos últimos anos. Lembro que em palestra sensacional em um evento TED, a jornalista investigativa Carole Cadwalladr
apresentou o resultado de sua investigação sobre o que considerou um dos eventos mais intrigantes dos últimos tempos: a eleição que o Reino Unido fez em 2016 para deixar a União Europeia, cujo resultado vencedor foi em uma margem insignificante. No estudo que realizou, localizou incontáveis anúncios enganosos no Facebook com viés pró-Brexit dedicado aos eleitores indecisos, acusou os "deuses do Vale do Silício" de estarem do lado errado da história e perguntou para a plateia do TED: ainda existem eleições livres e justas?
A manifestação da Carole Cadwalladr é poderosa e provocativa. Chama atenção para algo essencial em tempos de democracia digital, a vulnerabilidade dos processos eleitorais diante da manipulação de algoritmos e da desinformação criminosamente direcionada. Apresenta conexões entre campanhas políticas e o uso de dados pessoais para manipular o eleitorado. Muito além de uma questão de tecnologia, trata-se aqui de postura ética e de responsabilidade.
É com este caos global que convivemos hoje, com a tecnologia distorcendo princípios elementares da democracia ocidental. Facebook, Instagram, Tik Tok estão se tornando cenas de crime, que nenhum investigador consegue elucidar. É o que temos, uma subversão tecnológica avançando e nós, impotentes, sendo personagens e vítimas destes crimes.
A la Cícero, podemos perguntar: Sabemos da conspiração que armam. Até quando vão abusar de nossa tolerância?