In forma (30/04)
Por Marino Boeira

O BRASIL É UM PAÍS SÉRIO?
"O Brasil não é um país sério" - A frase foi atribuída até ao general De Gaulle, mas parece que o autor foi mesmo o diplomata brasileiro Carlos Alves de Souza Filho e foi dita ao correspondente do Jornal do Brasil em Paris, Luís Edgar de Andrade na chamada Guerra da Lagosta entre Brasil e França entre 1961 e 1963.
A frase voltou a ser citada essa semana quando uma série de acontecimentos nas áreas política e jurídica nos fez pensar mais uma vez que o Brasil, através de suas autoridades, não trata com a devida seriedade fatos que dizem respeito à vida de milhões de pessoas.
Num país realmente sério o escândalo do roubo prolongado das aposentadorias de milhões de homens e mulheres derrubaria seu governo. Aqui, a grande discussão, que a mídia estimula, é saber qual o presidente mais culpado, se Bolsonaro, quando tudo começou, ou Lula, quando o processo se tornou mais robusto.
Ao transformar o crime numa simples disputa eleitoral, a mídia naturalizou o fato e de certa maneira desculpou seus autores.
E não é apenas o caso do roubo nas aposentadorias que a mídia trata de transformar fatos em reality show tipo BBB25 com mocinhos e vilões, em que o público é chamado a escolher quem continua e quem vai para o paredão.
O ministro Alexandre de Moraes do Supremo, na sua faina diária de tentar colocar na cadeia presidentes (o Collor já foi e o Bolsonaro está próximo) é visto como um herói em defesa da democracia para muitos e num vilão que não respeita normas do direito para outros.
Aparentemente, dependendo de quem acompanha os noticiários, ele pode assumir qualquer um dos papéis.
Primeiro foi a condenação a anos de prisão da dona de casa naquele episódio da frase escrita com batom na estátua da Justiça em Brasília e depois o caso do chamado golpe de estado do 8 de janeiro, quando um bando de malucos invadiu palácios em Brasília, fez um quebra-quebra e voltou para casa.
Coroando tudo isso o complô ainda muito pouco claro da montagem de uma ação que visava supostamente eliminar fisicamente as mais altas autoridades da república.
Enquanto a saúde pública naufraga no Brasil inteiro com as emergências superlotadas, como os jornais mostram diariamente aqui em Porto Alegre e o governo Lula é incapaz de oferecer sequer a esperança de uma mudança realmente para melhor na vida dos brasileiros, o Congresso - que o professor Nildo Ouriques da Revolução Brasileira chama sempre de O Covil de Ladrões, sem que se ouça um protesto algum de deputado ou senador - negocia com ministros do Supremo um acordo para - seguindo a gíria da época - "ar um pano" nos acontecimentos de 8 de janeiro, punindo alguns e absolvendo outros.
E se todo esse plano mirabolante de golpes de estado e assassinatos de autoridades não for uma nova Carta Brandi?
Para quem não se lembra do que são capazes os políticos brasileiros, a chamada Carta Brandi é um caso exemplar. Em 16 de setembro de 1955, Carlos Lacerda denunciou na televisão, a existência de uma carta de um político argentino de Corrientes, Antonio de Jesus Brandi endereçada a João Goulart, ex-ministro do Trabalho de Getúlio Vargas e então candidato a vice-presidente da República na chapa de Juscelino Kubitschek, na qual propunha o apoio do presidente argentino Juan Domingo Perón à formação de uma República Sindicalista no Brasil. A carta foi publicada na íntegra nas capas das edições do dia 17 de setembro do Jornal do Brasil e da Tribuna da Imprensa.
Embora a falsidade da carta tenha sido logo comprovada, ela serviu para favorecer as forças de direita do Brasil, principalmente entre os militares, criando um ambiente que vai desaguar anos depois no golpe de 64.
O clima de denúncias, inquéritos e condenações que hoje toma conta do noticiário da nossa mídia está servindo os interesses de quem?