IN FORMA
Por Marino Boeira

O ado é uma roupa velha
"O ado é uma roupa velha que não nos cabe mais", cantava Belchior em 1976, durante a ditadura militar que maltratava o Brasil e os brasileiros.
Como os artistas de verdade e os revolucionários, Belchior era otimista. Ele olhava pra frente e acreditava num futuro melhor: "Você não sente nem vê / Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo / Que uma nova mudança em breve vai acontecer/ E o que há algum tempo era jovem novo, hoje é antigo / E precisamos todos rejuvenescer".
Estudar o ado é fundamental para entender o presente e tentar melhorar o futuro, porém enxergá-lo de uma maneira acrítica ou pior, cultuá-lo com uma visão saudosista é renunciar à mudança, ao avanço, ao progresso.
Os hábitos e costumes antigos dos povos e das nações são para serem estudados e não para serem revividos. Aqui no Brasil, o uso de objetos de adorno pessoal virou um símbolo da opressão do branco colonizador contra o índio, desprezado na sua cultura e contra o negro, escravizado e transformado num objeto de compra e venda.
Uma Ministra de Estado usa um cocar colorido dos seus anteados indígenas e parlamentares negras se apresentam com turbantes na cabeça como teriam usado as escravas. Nos centros de tradições gaúchas, homens usam bombachas e chiripás para lembrar outras épocas que teriam sido mais heróicas.
No sentido oposto, na distante Turquia, Mustafa Kemal Ataturk (1881/1936), o fundador da República e chamado o Pai dos Turcos, fez homens e mulheres deixarem de lado seus trajes típicos e se vestirem à moda ocidental, porque isso representava a modernidade.
É importante estudar o ado, não para execrá-lo ou curti-lo, mas para aprender suas lições em busca de um futuro mais justo para todos. Quem falou melhor sobre isso foi Eduardo Galeano em seu livro clássico 'As Veias Abertas da América Latina': "A veneração do ado sempre me pareceu reacionária. A direita escolhe o ado porque prefere os mortos, mundo quieto, tempo quieto. Os poderosos que legitimam seus privilégios pela herança cultivam a nostalgia".
A luta deve ser no presente, como lembra o ex-governador Olívio De Oliveira Dutra no prefácio que escreveu para o livro 'História do Sindicato dos Bancários de Carazinho e Região' (Silvana Moura, Editora Berthier - 2009): "Trata-se, pois, da sagrada insurgência dos que acreditam que a História não acabou e que o seu motor é a permanente organização dos que 'desde abajo' acalentam o fogo das transformações".
A organização dos despossuídos é fundamental e ela nasce de uma postura dialética diante da realidade. É preciso primeiro negar o que muitos consideram ser o possível e propor o novo do qual nos fala Belchior.
O possível, é o governo do Lula, com todas as suas conciliações com as velhas classes dominantes.
É a velha roupa velha que não nos serve mais.
O novo, que muitos não sentem, nem veem, é a Revolução Brasileira.
É ela que nos trará um novo mundo que Carlos Drummond de Andrade antecipou no seu poema 'A Cidade Prevista', da antologia 'A Rosa do Povo':
"Um mundo enfim ordenado / uma pátria sem fronteiras / sem leis e regulamentos, / uma terra sem bandeiras, / sem igrejas nem quartéis, / sem dor, sem febre, sem ouro, / um jeito só de viver, / mas nesse jeito a variedade,/ a multiplicidade toda que há dentro de cada um / Uma cidade sem portas,/ de casa sem armadilha, / um país de riso e glória/ como nunca houve nenhum."