IN FORMA
Por Marino Boeira

A grande luta pela libertação da religião
Há muitas maneiras de contar a história da humanidade.
Karl Marx a contou através da sequência de sistemas econômicos, desde a primeira relação tribal, até o moderno capitalismo global, deixando a porta aberta para sua superação pelo socialismo e mais adiante pelo comunismo. A mais comum é ser contada através de grandes ciclos, marcados pela predominância de um determinado sistema econômico e cultural. Seriam as idades, que iriam da Antiga à Contemporânea, ando pela Medieval e à Moderna.
As religiões contam essa história a partir dos seus mitos fundadores. Para o Cristianismo, é decisão de Deus de criar um paraíso na Terra para ser o lar do primeiro homem - Adão e da primeira mulher - Eva. A História do Brasil começaria com as grandes navegações e se dividiria em ciclos econômicos: o do pau brasil, o do açúcar, o do ouro, o do café e certamente agora do agronegócio.
Minha sugestão é contar a história da humanidade como um processo em busca da sua libertação dos mitos e crendices. Basicamente a sua libertação de Deus e das religiões.
Talvez, paradoxalmente, esse começo possa partir de algo relacionado com um dos pilares dessa alienação: a crença na existência de uma vida após a morte, com o céu como prêmio e o inferno como castigo. A sugestão é a frase de Dante na Divina Comédia, escrita na porta do inferno: "Lasciate ogne speranza, voi ch'intrate" ("Deixai toda a esperança, vós que entrais"). É preciso abandonar a esperança de qualquer prêmio ou castigo pela vida que levamos na terra e tentar construí-la em cima de valores positivos, fundamentalmente a solidariedade com o próximo.
Nos seus livros clássicos em defesa do ateísmo, Richard Dawkins ('Deus é um Delírio') e Christopher Hitchens ('Deus Não é Grande'), como cientistas que são, mostram que toda a religião afronta a ciência e desumaniza o ser humano na medida em que retira dele sua mais importante conquista, aquela que o separa dos animais, o uso da razão.
A luta pelo ateísmo, sustentada por grandes pensadores, precisa enfrentar batalhas diárias contra forças poderosas, a maior de todas, o sistema capitalista, que há séculos enxerga na religião a melhor maneira de manter as pessoas domesticadas e conformadas em viver na penúria, à margem da abundância da mesa dos ricos.
Esse sistema é sustentado no mundo inteiro por exércitos e polícias, mas também pelas escolas, pela mídia e é claro, por todas as igrejas.
Denunciar em todos os espaços possíveis essa prática obscurantista é uma tarefa dos intelectuais dignos dessa condição. Não devemos temer a crítica dos acomodados, que fingem que o tema não é importante, nem a ira dos defensores da ignorância religiosa, para continuarmos, mesmo sendo alguns poucos, na defesa da dignidade do ser humano, que só pode ser plena quando for livre das superstições religiosas.